Conceição

Conceição, 51 anos, foi casada durante 18 anos. Hoje, é ajudanta de cozinha e conta-nos como foi viver numa relação onde foi vítima de violência doméstica. De olhos postos no presente, não guarda rancores de um passado em que se viu obrigada a fugir e deixar tudo para trás.

O que a levou à Casa de Abrigo Alcipe?

Fui vítima de violência doméstica, ultimamente mais violência psicológica, a ponto de já não aguentar mais. Houve uma altura que o meu ex-marido foi ao meu trabalho e bateu-me, fui parar ao hospital, mas a minha filha nessa altura era muito pequenina e depois as coisas acabaram por continuar, mas voltavam sempre ao mesmo. Não conseguia ter trabalho muito tempo, porque ele tinha ciúmes, qualquer pessoa que se aproximasse de mim ou me cumprimentasse era o caos e isso começou a tornar-se muito complicado.

Quando decidiu colocar um ponto final na relação?

Todos os dias era muito complicado porque ele tratava-me muito mal, ia-me buscar ao trabalho e mesmo assim dizia que eu tinha amantes, era toda a noite a tratar-me mal, chegava a estar com uma arma na mão a dizer que se ia matar. Chegou a um ponto que eu já andava em tratamento, mas sentia-me sozinha, tinha uma filha, até que houve um dia que as minhas colegas me disseram: mereces uma vida melhor, a gente vai ajudar-te.

Na noite antes de eu me ir embora, foi toda a noite a chamar-me nomes, a tratar-me mal, tive que dormir no chão, eu dependia dele para me levar ao trabalho. Essa noite foi muito complicada e no outro dia cheguei de rastos ao trabalho e as minhas colegas decidiram ajudar-me. Fui à polícia, a polícia não fez muito. Mas houve uma das minhas amigas que continuou a dar-me apoio e a gerência do trabalho também me apoiou muito, fui para o posto da polícia, fui apresentada à Segurança Social, cujas técnicas não foram muito acessíveis, porque queriam que eu arranjasse quarto na zona e eu não queria porque ele iria outra vez andar atrás de mim e eu estava mesmo decidida a pôr um ponto final e a única forma era mesmo fugir.

Nisto, essa minha amiga fez o contacto com a APAV. Fui atendida no Gabinete de Lisboa, onde recebi todo o apoio, estava desesperada, nem conseguia falar e lá é que me acalmaram e fui então para a Casa de Abrigo.

Recorda-se da chegada à Casa de Abrigo?

Foi muito emocionante, elas receberam-me muito bem. Estava muito em baixo, sem nada. Há pessoas que ainda levam roupa para vestir, eu não levava mesmo nada. Ajudaram-me muito psicologicamente, porque eu ia mesmo de rastos. Os primeiros dias foram muito complicados porque eu tinha deixado a minha filha e nos primeiros dias só recebia telefonemas dele, e eu não queria perder o contacto que a minha filha, mas não podia atender, foi muito complicado.

Fui conseguindo ultrapassar e dizer que por mais que aconteça eu não quero aquela vida. Tive as colegas do trabalho que também me foram dando apoio, que me foram carregando o telemóvel para poderem falar comigo, passado uns dias tinha roupa que elas todas recolheram.

Estão divorciados?

Sim. Eu é que fui o apoio dele há pouco tempo porque ele tentou-se matar. Toda a gente dizia que eu não devia fazer nada porque aquilo era chantagem emocional, mas havia qualquer cosa que me dizia que não era só chantagem e liguei para a polícia e a polícia deu com ele quase morto e consegui salvar-lhe a vida, por isso nem a ele eu tenho ódio. Desejo que ele seja muito feliz, é o pai da minha filha.

Hoje, quem é a Conceição?

Sou uma pessoa diferente, embora nem tudo sejam rosas, porque tenho o meu trabalho, tenho o apoio de muita gente, mas há as dificuldades de pagar a casa, das doenças, às vezes de estar sem emprego, mas qualquer obstáculo que atravesse, não é maior do que o que eu vivia. Lembro-me muitas vezes que não me valorizava na altura, porque a gente sente-se em baixo, sentimos que não somos capazes.

O que deseja para o futuro?

Acho que todos temos que ter força. Houve uma vez que eu vinha no elevador, estava tão em baixo e olhei para uma frase que dizia “sorri à vida para que a vida te sorria” e ás vezes quando estou triste, lembro-me daquela frase. Que todas as pessoas se lembrassem de não fazer mal a ninguém, porque se gostam de alguém não se deve fazer mal, seja homem ou mulher.

Se não fossem todas as colegas que me ajudaram, as pessoas que sempre me acompanharam e que me continuam a acompanhar e gostam de me ver eu não tinha chegado aqui.