Léa

Léa, originalmente do Rio de Janeiro, mas portuguesa de coração, reencontrou o sonho depois de anos como vítima de violência doméstica. Leva-nos ao passado, mas sempre com os olhos no presente e no projeto cultural que nasceu na Casa de Abrigo Alcipe e finalmente começa a ver nascer.

O que a levou à Casa de Abrigo Alcipe?

O que me levou à APAV foi uma associação de anos sofrendo de violência doméstica. No inicio a violência era muito física, depois passou a ser basicamente psicológica.

Eu já havia pedido ajuda à APAV há alguns anos atrás, mas recuei e da última vez levei em frente. Não voltei atrás porque já não dava tempo de voltar a atrás. O tempo passa, as coisas ficam mais pesadas, a idade pesa, e ter um filho assistindo a determinadas situações é uma coisa muito má. E meu filho assistiu a muita coisa. É um sobrevivente, é um vitorioso. E como ele diz, ele se tornou mais forte com tudo o que viveu, e é ele que me dá forças para continuar.

Como se sentia nessa relação?

Os agressores, o que eles fazem é fazer com que nós deixemos de acreditar que somos capazes de fazer qualquer coisa. Somos inúteis. E nós não somos inúteis. Nós temos capacidades e temos que acreditar nessas capacidades e não temos que deixar de sonhar. O sonho acho que é uma das primeiras coisas que se perde. O sonho é a vontade de viver, o sonho move a vida.

Um sentimento que eu tinha era vergonha. Quem tem que ter vergonha é o agressor. A vítima não tem que ter vergonha, e é um sentimento que vai corroendo para aguentarmos mais um dia, um mês, um ano. É um sentimento que toma conta de nós, mas é um sentimento que não temos que ter.

O que encontrou na Casa de Abrigo Alcipe?

Foi na Casa de Abrigo Alcipe que nasceu o projeto, que é uma associação cultural. Tenho tido também muito apoio em relação ao projeto, por parte da APAV, da Santa Casa e da Câmara. Estou fora da Casa há 1 ano e 1 mês. No início a gente sente um pouco de medo de ficar sozinha. Sinto às vezes saudades da casa. Sinto falta de certas pessoas da casa. Mas o principal sentimento é paz e gratidão. Eu aprendi a agradecer a tudo. Não que fosse uma pessoa ingrata, mas depois dessa nova oportunidade de recomeço, nessa altura do campeonato da minha vida.

Quem era a Léa que entrou na Casa de Abrigo Alcipe?

A Láa que entrou na Casa de Abrigo tinha deixado de fazer o que sempre fez na vida: sonhar. Era uma Léa que já tinha esquecido o que era sonhar de tanto que tinham-me massacrado, de tanto que tinham achado loucura os meus sonhos e de tanto sonhar sozinha.

O que mudou?

Aprendi muita coisa na Alcipe, a ser mãe, porque eu era uma mãe super protetora, aprendi a ser mais empática, ser mais paciente, mais condescendente, humilde, a ser grata a tudo. Aprendi muita coisa e cresci muito durante os dois anos que estive na Casa Alcipe.