Principais modelos restaurativos

 

MEDIAÇÃO VÍTIMA-INFRACTOR

O que é a mediação vítima-infractor? É, em primeiro lugar, um processo, ou seja, um conjunto de actos sequencialmente organizados de modo a atingir uma determinada finalidade. Este processo possibilita à vítima encontrar-se com o infractor na presença de um terceiro imparcial – o mediador. Ambos os intervenientes expressam o seu ponto de vista e os seus sentimentos acerca do crime: a vítima tem a oportunidade de confrontar o infractor com o impacto do seu acto, este tem por sua vez a oportunidade de assumir perante aquela a responsabilidade pela sua conduta e de compreender o mal que esta provocou. Para além disto, vítima e infractor têm a possibilidade de delinear, em conjunto, um plano de “restauração”, de reparação do dano causado, plano que se afigure justo e adequado àquele caso concreto.

Este processo pauta-se por três princípios fundamentais:

» voluntariedade dos intervenientes;

» imparcialidade e neutralidade do mediador;

» confidencialidade do processo.

 

O papel do mediador não é o de impor um acordo entre os intervenientes, mas sim o de promover a interacção entre vítima e infractor de modo a que cada um assuma um papel activo na construção de uma solução tida como justa por ambos.

A configuração típica de um processo de mediação abrange quatro fases:

» a entidade responsável pela selecção de casos envia a situação para os serviços de mediação;

» o mediador contacta (em separado) a vítima e o infractor, confirmando que ambos reunem os pressupostos para participar na mediação (designadamente se estão em condições psicológicas de fazer com que esta decorra de modo construtivo, se a vítima não sofrerá vitimação secundária decorrente do encontro com o infractor, se ambos percepcionam a sua participação como voluntária) e preparando-os para a mediação – esta fase é geralmente designada pré-mediação;

» os intervenientes encontram-se e, na presença do mediador, apresentam a sua versão dos factos, exprimem os seus sentimentos e emoções e tentam acordar quanto à natureza e extensão do dano de modo a identificar os actos necessários à reparação – é a sessão (ou sessões) de mediação propriamente dita;

» a entidade responsável pela monitorização do acordo verifica o seu cumprimento.

 

Cumpre aqui proceder a uma importante distinção entre mediação directa e indirecta: na mediação directa vítima e infractor encontram-se efectivamente, “cara-a-cara”; na mediação indirecta tal não sucede, pelo que o contacto entre aqueles é efectuado através de um intermediário – o mediador -, que ou transmite oralmente a cada um as mensagens do outro, ou entrega as cartas ou os depoimentos gravados em áudio ou vídeo. Se é certo que a mediação directa é mais consentânea com os princípios e características da justiça restaurativa e tem provado na prática ser mais eficaz e satisfatória, não é menos verdade que a mediação indirecta tem sido também profusamente (nalguns casos até maioritariamente) utilizada, pois muitos casos há em que vítima e/ou infractor, querendo embora participar num processo de mediação, não pretendem encontrar-se directamente com o outro o que, em nome da autonomia e da voluntariedade que lhes assiste, é aceite pela entidade responsável pela mediação.

 

 

 

 

CONFERÊNCIA DE GRUPOS FAMILIARES OU COMUNITÁRIOS 

Esta prática, adaptada das tradições ancestrais dos povos nativos da Nova Zelândia, em que a família alargada e a comunidade têm um papel determinante, emergiu formalmente em 1989 neste país, com a aprovação do Children, Young Persons and Their Families Act.: face aos índices particularmente elevados de criminalidade entre os maori, e perante a crescente insatisfação destes pelo facto de o sistema de justiça juvenil de cariz ocidental lhes “roubar” a resolução dos problemas dos seus membros mais jovens, entregando-a a “estranhos”, veio aquele dispositivo legal determinar a criação de um mecanismo no qual, ao invés de ser o tribunal, com a colaboração da polícia e dos serviços de apoio aos jovens, a decidir, é a família do próprio jovem, em conjunto com a vítima e com grupos comunitários de suporte, quem determina a sanção a aplicar.

Esta prática é semelhante à mediação vítima-infractor, só que envolve um conjunto de pessoas mais alargado - familiares, grupos comunitários, polícia, serviços sociais e advogados -, com o intuito de demonstrar ao jovem infractor que a comunidade se preocupa com ele, responsabilizando-o assim perante esta. É neste âmbito que ganha especial dimensão o célebre conceito restaurativo, enunciado por John Braithwaite, de reintegrative shame, ou vergonha reintegradora (por oposição a disintegrative shame – vergonha desintegradora ou estigmatização): o infractor é exposto à censura da comunidade, que denuncia a sua conduta como inaceitável, mas que simultaneamente assume o compromisso de fazer todos os esforços para o reintegrar (Braithwaite, 1989).

O processo desenrola-se de forma semelhante à descrita relativamente à mediação vítima-infractor: remetido o caso pela entidade competente, o facilitador vai procurar conhecer um pouco melhor os intervenientes e constituir, em conjunto com estes, o grupo de pessoas que tomará parte na conferência, na qual, após a narração dos factos e a expressão de emoções pela vítima e pelo infractor, é aberto um espaço de diálogo no qual os outros intervenientes podem intervir. Por fim, e em conjunto, todos procurarão estabelecer as linhas do acordo sobre a reparação da vítima.

O eventual mérito acrescido desta prática passa pelo facto de, ao envolver a rede de suporte do infractor, se responsabilizar também esta não só pelo cumprimento do acordo estabelecido mas também relativamente à necessidade de alteração de comportamento daquele.

Esta prática foi posteriormente implementada, com características específicas que diferem de sítio para sítio, na Austrália (sendo conhecida como modelo de Wagga Wagga, cidade localizada na Nova Gales do Sul onde foi primeiramente implementada), EUA, Canadá e Inglaterra e Gales: em Inglaterra, os serviços de conferência, sediados na Thames Valley Police, lidam com crimes menores, mas na Austrália é utilizada face a crimes de gravidade média, sendo o facilitador um agente policial, e não um técnico social, como sucede na Nova Zelândia.