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Artigo PÚBLICO: "Uma perturbante pena suspensa"

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Artigo de opinião de Francisco Teixeira da Mota

Renato confessou e ficou provado em tribunal que abusou sexualmente de duas menores. O Supremo suspendeu-lhe a pena.

"Renato tinha 51 anos de idade e vivia em união de facto com a avó da Cátia. Pelo seu lado, a Cátia tinha nove anos e a sua amiga Soraia tinha cinco.

Como o Renato confessou e ficou provado em tribunal, a partir do Verão de 2015 e até à Páscoa de 2016, pelo menos, em sete ocasiões diferentes, a Cátia e a Soraia foram vítimas de abuso sexual por parte do Renato.

Uma vez, o Renato acompanhou a Cátia à casa de banho e permaneceu fixado a observar a menor enquanto esta urinava, tendo também ele urinado, depois disso. Então, com as calças descidas até à altura da tíbia, pediu à Cátia para lhe tocar no pénis e, perante a recusa da menor, agarrou-lhe o pulso e conduziu a sua mão em direcção ao seu pénis, fazendo-a tocar-lhe.

Numa outra ocasião, o Renato, apercebendo-se que a Cátia estava a jogar no computador, convidou-a a sentar-se no seu colo para lhe mostrar uns vídeos. Com a menor sentada ao seu colo, exibiu-lhe um vídeo em que se observava uma pessoa do sexo feminino a estimular com a boca o pénis de uma pessoa do sexo masculino, ao mesmo tempo que lhe dizia que já tinha feito aquilo com a avó. De seguida, meteu a mão por dentro das calças do pijama que a menor vestia e, por cima das cuecas, fez movimentos circulares na zona da vagina da menor e quando a Cátia lhe pediu para que parasse, disse-lhe que lhe estava a fazer massagens, convencendo-a a deixá-lo continuar. Quando cessou a “massagem”, Renato disse à Cátia para não contar a ninguém o que se tinha passado, que era um segredo só dele e dela.

Não parece necessário relatar os outros episódios com as menores que constam dos autos, sendo certo que tais abusos só cessaram porque a Cátia um dia contou à mãe o que se estava a passar e as crianças deixaram de frequentar a casa da avó da Cátia.

Feita a denúncia criminal, o Renato compareceu perante o Ministério Público, confessou os factos, mostrou-se arrependido e chorou. O Ministério Público foi, no mínimo, benévolo: mandou-o para casa com um mero termo de identidade e residência.

Submetido a julgamento, o Renato voltou a confessar os factos, mas, como notou o tribunal, mantendo um discurso em que quase pretendia legitimar o seu comportamento devido a uma depressão da sua companheira que se recusava a ter relações sexuais, como se tal facto pudesse sequer explicar que uma pessoa, por efeito do convívio próximo que mantinha com as duas meninas, praticasse os actos de abuso e violência sexual por si praticados!

O tribunal de 1.ª instância, embora constatando um passado e uma vida com inúmeras dificuldades e vicissitudes, reconheceu nele “uma personalidade muito deformada (...) com assinalável tendência para práticas desviantes” e condenou-o numa pena de prisão efectiva de seis anos pela prática de oito crimes de abuso sexual de criança.

Recorreu o Renato e o recurso subiu directamente para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), já que não punha em causa os factos dados como provados, pretendendo tão somente a redução da pena e a suspensão da mesma. Quem se debruçou sobre o seu recurso, num acórdão há dias divulgado pela Lusa, foram os juízes conselheiros Manuel Augusto de Matos (relator) e Lopes da Mota.

Embora reconhecendo a ilicitude global do comportamento do Renato e sem que tal significasse “esbatimento do juízo de censura que se tem de formular pela prática dos factos”, o STJ deu nota que o modo da execução dos crimes não era tão grave como em muitos outros casos, já que a maioria dos actos tinham sido “executados por cima da roupa das menores”. Acrescentaram os juízes conselheiros, numa frase de difícil compreensão, que “tendo em conta o nexo espácio-temporal existente entre os crimes, determinado algo difusamente, decorrendo entre a Primavera de 2015, Verão de 2015 e Páscoa de 2016, e o circunstancialismo que envolveu a sua prática, somos levados a concluir que a pluriocasionalidade observada não radicará na personalidade do arguido” (?).

E, assim, tudo somado e ponderado, o STJ revogou a pena de prisão efectiva e aplicou uma pena de prisão de cinco anos suspensa, ficando o Renato sujeito a regime de prova, em cumprimento de um plano de reinserção social a elaborar pelos competentes Serviços de Reinserção Social.

Que a duração da pena de prisão pudesse ser revista, compreende-se, mas, pura e simplesmente, suspender a pena?!"

Fonte: Jornal PÚBLICO