Em 2019 o número de pessoas idosas no mundo encontrava-se nos 703 milhões e em Portugal estas representam 21,5%. Espera-se que a população idosa mundial duplique até 2050, passando as pessoas idosas a representar 16% da população mundial.
O envelhecimento constitui um dos triunfos do século XXI, pois é o resultado de melhores condições de vida, boa nutrição, acesso a cuidados de saúde, saneamento básico e educação. Verifica-se, contudo, uma generalizada perceção negativa do envelhecimento, que resulta na associação da condição de pessoa idosa a fragilidade, dependência, doença e pouca ou nenhuma produtividade e que vem muitas vezes a traduzir-se em episódios de violência contra as pessoas idosas. De acordo com o relatório estatístico da APAV “Pessoas Idosas Vítimas de Crime e de Violência 2013-2018”, registaram-se, durante este período, um total de 6.878 processos de apoio a pessoas idosas, em que 5.482 foram vítimas de crime e de violência.
A vitimação das pessoas idosas é hoje cada vez mais evidente dentro do processo de envelhecimento da população mundial, porém não lhe é dada ainda a atenção devida pela sociedade. A violência contra as pessoas idosas é um fenómeno que se encontra enraizado nas atitudes negativas da sociedade em relação ao envelhecimento, pelo que a reação a este não se atingirá apenas com soluções vindas dos serviços de saúde, do sistema de justiça criminal ou do sistema de segurança social. Pelo contrário, o combate à violência contra as pessoas idosas deve passar pela séria promoção de uma mudança cultural que implica uma reflexão ética e humanista acerca da atuação do Estado, das famílias e dos/as prestadores/as de cuidados.
Assim são necessárias estratégias que garantam a promoção e o exercício dos direitos das pessoas idosas, em plena igualdade com a restante população.
O projeto Portugal Mais Velho debruça-se sobre o envelhecimento da população e, em particular, sobre a violência contra as pessoas idosas. Atendendo às necessidades atuais que justificam a sua existência, o projeto Portugal Mais Velho tem como objetivo central, por um lado, promover a mudança de políticas (públicas, sociais e privadas) relativas ao envelhecimento e à vitimação das pessoas idosas e, por outro lado, contribuir para a consciencialização pública acerca da temática.
Assim, o público-alvo do projeto divide-se em dois grandes grupos: os decisores políticos e a sociedade em geral.
No âmbito do projeto Portugal Mais Velho, ao longo de 18 meses, foram ouvidos 81 profissionais, de várias áreas, entre as quais Medicina, Direito, Serviço Social, Forças de Segurança, Psicologia ou Comunicação Social. Também neste período foram realizados quatro grupos de discussão de pessoas idosas, tendo sido ouvidas 38 pessoas com idades compreendidas entre os 65 e os 95 anos. Foram igualmente levadas a cabo entrevistas a cuidadores e cuidadoras de pessoas idosas.
Os resultados alcançados durante o projeto Portugal Mais Velho agruparam os contributos de todos/as os/as profissionais, pessoas idosas e cuidadores/as, aos quais se somou um profundo e extenso trabalho de pesquisa bibliográfica levada a cabo pela APAV. A análise da bibliografia atual e de diversos estudos de investigação, quer nacionais quer internacionais, permitiu enquadrar conceptualmente e melhor refletir sobre as questões do envelhecimento e da violência contra pessoas idosas discutidas no âmbito do projeto.
Esta reflexcão, bem como os contributos já mencionados permitiram o mapeamento dos desafios sentidos na atuação do Estado, das instituições, das comunidades e das famílias face ao envelhecimento populacional e, sobretudo, em situações de violência contra pessoas idosas.
Os resultados do projeto Portugal Mais Velho, pela natureza dos seus objetivos, de verificação a médio elongo prazo, uma vez que quer a implementação de novas (ou melhoradas) políticas públicas, quer a consciencialização da população, são efeitos morosos.
Ainda assim, é possível destacar os resultados já produzidos:
> Campanha de sensibilização "Olhar para o lado é ser cúmplice"
> Ações de sensibilização
> Sessões públicas de apresentação dos resultados do projeto
> Criação de uma base de dados de profissionais altamente qualificados e experientes na área do envelhecimento e/ou da violência contra pessoas idosas
> Publicação do Relatório Portugal Mais Velho
> Apresentação de 30 Recomendações dirigidas a variadas instituições governamentais e não governamentais
Em suma, ao longo dos 22 meses do projeto Portugal Mais Velho, construiu-se um sólido caminho para a realização dos objetivos propostos que, sem prejuízo de todos os resultados tangíveis ou não tangíveis já observados, se realizarão com base no trabalho iniciado e levado a cabo no âmbito desta iniciativa.
A APAV e a Fundação Calouste Gulbenkian assinalaram o Dia Internacional da Pessoa Idosa, o dia 1 de outubro de 2020, com a apresentação pública do projeto Portugal Mais Velho e dos seus resultados.
Devido ao contexto epidemiológico daquela altura, na sessão, que teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, estiveram presentes apenas os oradores, tendo a mesma sido transmitida em direto online no site da Fundação.
A sessão foi marcada pelas intervenções de Luís Jerónimo, Diretor do Programa Gulbenkian Sustentabilidade da Fundação, João Lázaro, presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima - APAV, e o professor Oscar Ribeiro, investigador principal no Centro deOscar Ribeiro, investigador principal no Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS).
Veja aqui a sessão.
Com tudo o que resultou do projeto Portugal Mais Velho em mãos e conscientes de que a violência contra pessoas idosas é um tipo de violência sobre o qual é necessário desenvolver conhecimento e estratégias concertadas de resposta, a APAV e a Fundação Calouste Gulbenkian perspetivam dar continuidade aos trabalhos desenvolvidos.
Se,por um lado, será dada continuidade ao trabalho de disseminação do Relatório Portugal Mais Velho e serão realizadas sessões de advocacia social junto dos decisores políticos, apresentando-lhes as boas práticas identificadas e as Recomendações que possam estar relacionadas com a sua área de governação e/ou responsabilidade; por outro, será dado enfoque à sensibilização da população acerca da violência contra pessoas idosas, com particular atenção para as próprias pessoas idosas.
Apesar de vivermos numa sociedade cada vez mais envelhecida, continua a predominar entre nós uma visão negativa do envelhecimento – populacional e do indivíduo. Tal visão comporta estereótipos quanto às pessoas idosas, que são frequentemente vistas pela sociedade como pessoas frágeis, doentes e dependentes. Por sua vez, todo o grupo populacional a que pertencem estas pessoas é encarado pelas camadas mais jovens da população – a população ativa – como um encargo económico e social que pesa nos bolsos do Estado e que lhes retira oportunidades de crescimento e prosperidade.
No entanto, um dos maiores sinais de prosperidade é, na verdade, o aumento da esperança média de vida, um dos fatores que tem vindo a contribuir precisamente para este envelhecimento populacional e que muitos rotulam como um dos maiores problemas da atualidade ou, alguns/mas mais num tom mais positivo, o maior desafio com que se deparam as sociedades ocidentais.
Se em em 1961 por cada 100 jovens existiam 27 pessoas idosas em Portugal e se, em 2018, apenas 57 anos depois, este número subiu para 157[1], então vivemos numa sociedade em que os avanços tecnológicos, médicos, sociais e outros, permitiram à população viver mais. O que não significa necessariamente viver melhor.
As tais perceções negativas do envelhecimento e os estereótipos associados às pessoas idosas conduzem, necessariamente, ao desrespeito pelos seus direitos, à exclusão e marginalização daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, e, não raras vezes, a situações de crime e violência.
Partindo da consciencialização de que a violência contra pessoas idosas é, simultaneamente, um fenómeno crescente e um fenómeno invisível e de que é absolutamente necessário inverter aquela visão negativa das pessoas idosas, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) propôs-se a fazer, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, o que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida chamou a necessária “reflexão ética e humanista, que identifique os desafios e indique os princípios éticos orientadores da atuação do Estado, das comunidades intermédias locais, das famílias e dos prestadores de cuidados.”[2]
Esta reflexão, exposta no presente Relatório, partiu de uma seleção de matérias diretamente relacionadas com a violência contra pessoas idosas mas também de outras que, embora não diretamente conexas com aquele fenómeno, são igualmente pertinentes por se entender que a violência contra pessoas idosas, ou pelo menos parte dela, é uma manifestação da generalizada perceção negativa e dos constantes atropelos à autonomia das pessoas idosas.
Após selecionadas estas matérias, foram auscultados mais de 80 profissionais e consultadas quase 40 pessoas idosas e, ainda, cuidadores/as informais ou familiares que prestam cuidados a pessoas idosas. A estas consultas somou-se uma extensa e profunda análise bibliográfica levada a cabo pela APAV durante cerca de um ano, tendo resultado um Relatório que apresenta de forma simplificada e sempre numa ótica mais que multidisciplinar, interdisciplinar, aquilo que são as conclusões e recomendações tecidas no âmbito do projeto Portugal Mais Velho.
Após esta profunda reflexão, a APAV defende que é absolutamente necessário adotar uma perspetiva de direitos humanos transversal a todos os setores de atuação do Estado e da sociedade, que se funde no princípio da participação e no empoderamento dos indivíduos, incluindo as pessoas idosas, e das comunidades, capacitando-os para exercer e reivindicar os seus direitos. Nesta necessária mudança de paradigma, as pessoas idosas deixam de ser um sujeito passivo, pessoas que precisam de ajuda e proteção, e passam a ser vistas como seres humanos com direitos.
É fundamental desconstruir os mitos que persistem acerca do envelhecimento, dissociando as ideias de envelhecimento, doença e encargos sociais, e conferir às pessoas idosas uma participação mais equitativa e uma visibilidade mais justa.
É premente produzir e disseminar mais informação acerca da violência contra pessoas idosas, em especial aquelas dimensões e tipos de violência que são ainda mais invisíveis do que o fenómeno como um todo, por exemplo, a violência institucional, a violência económico-financeira ou a violência sexual.
Apesar de não existirem estatísticas oficiais e concretas que a permitam confirmar, a generalizada perceção de que o número de casos de abandono de pessoas idosas, incluindo em instituições de saúde, é extremamente elevado aumenta a preocupação social, sendo urgente compreender as causas e a incidência de situações de abandono de pessoas idosas.
Deve conferir-se maior tutela jurídica às pessoas idosas vítimas de crime, por exemplo através do alargamento do conceito de coabitação presente na alínea d) do n.º 1 do artigo 152.º (Violência Doméstica) do Código Penal, ao mesmo tempo que se aperfeiçoam os procedimentos e serviços de apoio às mesmas, sendo especialmente necessário avaliar e melhorar as condições das casas de abrigo.
Numa ótica de prevenção da violência mas também de resposta às necessidades que possam resultar de situações de vulnerabilidade apresentadas por algumas pessoas, incluindo pessoas idosas, é necessário criar estruturas locais adequadamente preparadas. A criação de Comissões para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade que desempenhem funções de promoção e tutela dos direitos dos/as adultos/as que se encontram incapazes de os exercer efetivamente, independentemente da sua idade, poderia ser uma resposta eficaz àquelas necessidades. Idealmente, depois de estabilizadas as competências destas estruturas, o seu âmbito de atuação deveria ser alargado, de modo a promover e tutelar os direitos de todas as pessoas, adultas ou não, numa perspetiva de integração.
É essencial promover a formação, supervisão e apoio de todos/as os/as profissionais que trabalham com pessoas idosas, com objetivo de os capacitar para a mais adequada prestação de cuidados e para o tratamento digno e respeitoso daquelas pessoas.
Deve primar-se pela promoção da aprendizagem ao longo da vida, pelo investimento em soluções intergeracionais e pela adequada integração de princípios de direitos humanos e valores como a empatia e respeito pelo próximo na educação e formação de todas as pessoas, especialmente das crianças e jovens.
Com esta reflexão, onde se fundamentam e desenvolvem estas e outras recomendações, pretende-se apresentar ao público e, em especial, aos/às profissionais das mais diversas áreas, uma ferramenta de apoio que lhes permita não só aprofundar conhecimentos como, também, ter contacto com boas práticas e, acima de tudo, conhecer e repensar a realidade nacional na área do envelhecimento e da violência contra as pessoas idosas.
Só deste conhecimento e da reavaliação profunda da forma como, individual e coletivamente, encaramos o envelhecimento e tratamos as pessoas idosas, poderá resultar uma verdadeira mudança e a construção de uma sociedade onde os direitos não têm idade.
[1] PORDATA, Indicadores de Envelhecimento, Índice de Envelhecimento 2018 https://www.pordata.pt/Portugal/Indicadores+de+envelhecimento-526 (consultado a 26-02-2020)
[2] Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, “Parecer 80/CNECV/2014 sobre as vulnerabilidades das pessoas idosas, em especial das que residem em instituições” (2014) https://www.cnecv.pt/admin/files/data/docs/1413212959_Parecer%2080%20CNECV%202014%20Aprovado%20FINAL.pdf (consultado a 27-02-2020)
O Relatório Portugal Mais Velho encontra-se dividido em quatro partes, refletindo, assim, as quatro grandes temáticas abordadas durante o projeto e no âmbito das quais foram ouvidos os membros do Grupo de Trabalho Alargado, divididos em quatro subgrupos.
INTRODUÇÃO
PORTUGAL MAIS VELHO: O PROJETO
I. VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS IDOSAS
II. PERFIL DO/A AGRESSOR/A E FATORES DE RISCO
III. OS/AS CUIDADORES/AS
IV. (IN)TOLERÂNCIA DA SOCIEDADE À VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS IDOSAS
O Relatório Portugal Mais Velho, enquanto um dos resultados do projeto Portugal Mais Velho, reúne as considerações tecidas pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) após uma extensa e profunda pesquisa bibliográfica, que incluiu literatura, instrumentos legais e práticas nacionais e internacionais, à qual se somaram os contributos dos 89 profissionais que integraram o Grupo de Trabalho Alargado e o Grupo Restrito do projeto, bem como opiniões de 38 pessoas idosas e de 4 cuidadores/as informais ou familiares. As considerações vertidas neste Relatório refletem os pontos de vista da APAV, não podendo os/as participantes no projeto Portugal Mais Velho ser responsabilizados/as pelas mesmas.
Este Relatório tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais inclusiva, na qual todas as pessoas estejam plenamente integradas e capacitadas para o exercício dos seus direitos, sem serem diferenciadas com base na sua idade.
Como se demonstrou ao longo do presente Relatório, existem ainda lacunas e desafios na área do envelhecimento e da violência contra as pessoas idosas que importa endereçar urgentemente. Ao ritmo a que a sociedade portuguesa envelhece, sendo o nosso país já o quinto país mais envelhecido do mundo, revela-se cada vez mais necessária uma política pública concertada nestas áreas.
Desde logo, se a criação da Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável demonstrou vontade dos decisores políticos de atuar de forma positiva no campo do envelhecimento, a insuficiência do seu conteúdo, numa perspetiva holística, bem como a sua queda no esquecimento revela que tal vontade não foi levada até ao fim.
As necessidades ou desafios que o envelhecimento populacional acarreta devem ser abordados por várias vias e sempre através de uma abordagem de respeito pelos direitos humanos das pessoas idosas. As políticas públicas não devem focar-se apenas nas necessidades de saúde daquelas, como tem vindo a acontecer, mas também nas suas necessidades, aprendizagem ao longo da vida, relações interpessoais e aspirações em igualdade em relação aos/às cidadãos/ãs de outras idades.
Também a legislação e a Justiça devem caminhar no sentido de acautelar os desafios trazidos pelo envelhecimento, conferir maior tutela às pessoas idosas vítimas de crime e, ao mesmo tempo, permitir o mais eficaz combate da violência contra pessoas idosas. Neste âmbito, embora os recentemente aprovados Regime Jurídico do Maior Acompanhado e o Estatuto do Cuidador Informal sejam um passo na criação de medidas tendentes a responder a tais desafios, mostram-se ainda claramente insuficientes.
Relativamente ao Regime Jurídico do Maior Acompanhado, subsistem muitas dúvidas quanto à sua forma de operar, existindo também o risco de serem nomeados/as acompanhantes que venham a abusar dos seus poderes de acompanhamento, sem que exista uma entidade que supervisione a sua atuação e garanta o respeito pelos direitos daqueles/as que são acompanhados/as.
No que concerne ao Estatuto do Cuidador Informal, falta ainda a devida regulamentação. Apesar de ter sido já publicada a Portaria n.º 2/2020, a mesma regula de forma insatisfatória aquele Estatuto: a regulamentação do reconhecimento e manutenção do estatuto de cuidador não foi acompanhada das necessárias alterações legislativas ao Código do Trabalho no sentido de permitir uma real conciliação entre a vida profissional e a prestação de cuidados. Em especial, a lei laboral continua a sem prever que os/as trabalhadores/as possam usufruir de licenças para prestar cuidados a familiares idosos/as, apesar de prever tal possibilidade para cuidar de descendentes.
No que toca em particular à violência contra pessoas idosas, e ainda no campo legislativo, há que renovar o olhar sobre a alínea d) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal, que prevê a punição de quem cometer o crime de violência doméstica contra pessoa particularmente indefesa, desde que exista coabitação entre o/a agressor/a e a vítima. A interpretação sem mais desta norma exclui do seu âmbito de tutela situações que materialmente configuram violência doméstica, mas sobre as quais não se aplica a mesma censura por não haver coabitação (por exemplo, quando um filho violenta o seu pai idoso e vulnerável, mas que não vive com este, não comete o crime de violência doméstica). Para obstar a esta situação, defendemos a adoção de um conceito alargado de coabitação, no qual se inclua quem visita a habitação da vítima de forma tão frequente e por tais períodos de tempo que seja razoável considerá-lo/a como membro daquela habitação, mesmo que aí não resida.
Não se defende neste Relatório a criação de legislação ou de estruturas específicas para proteger as pessoas idosas, por se ter concluído que tal poderia resultar na atomização dos direitos humanos e criaria (ou acentuaria) distância entre as pessoas idosas e a restante sociedade. Contudo é inegável que existem pessoas idosas em situação de vulnerabilidade (como incapacidade de gestão do seu património, condições socioeconómicas desfavoráveis, isolamento social, dificuldades de locomoção que afetam a sua autonomia ou até mesmo situações de vitimação) e que é urgente prevenir e intervir nestas situações.
Cremos que esta prevenção e intervenção deveria ser responsabilidade de Comissões para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade, a ser criadas a nível local com o objetivo de atuar sobre as eventuais vulnerabilidades de todas as pessoas adultas. Tais comissões deveriam pautar-se pelo princípio da intervenção mínima e sempre com o consentimento do/a visado/a, respeitando a autonomia dos/as seus/suas utentes, e a sua atuação deveria ser monitorizada por uma Comissão de âmbito nacional. As Comissões teriam duas grandes áreas de atuação: junto de pessoas adultas em situação de acompanhamento ou em situação suscetível de vir a beneficiar de acompanhamento (prestando formação a acompanhantes e/ou monitorizando o cumprimento das medidas de acompanhamento, entre outras funções) e junto de pessoas adultas em situação de vulnerabilidade, (desempenhando nesta área a função de encaminhamento para as respostas adequadas). Quando fosse revelado o sucesso do trabalho das Comissões junto das pessoas adultas em situação de vulnerabilidade, o ideal seria o alargamento das suas competências, bem como do âmbito de atuação, de modo a que pudessem promover e tutelar os direitos de todas as pessoas, adultas ou não, numa lógica de integração.
As dificuldades sentidas pelos/as cuidadores/as de pessoas idosas, tanto os/as formais ou profissionais como os/as informais ou familiares devem ser endereçadas prontamente. A resposta adequada a tais dificuldades terá efeitos positivos não só na qualidade de vida de quem presta cuidados a outrem, como também na qualidade dos cuidados prestados, e por conseguinte implicará a melhoria da qualidade de vida das pessoas cuidadas. Simultaneamente contraem-se os fatores de risco da violência contra as pessoas idosas, que não raramente se verificam em contextos de prestação de cuidados com cuidadores/as que se sentem assoberbeados/as e incapazes de lidar com a tarefa de cuidar de outrem.
A devida resposta às dificuldades sentidas pelos/as cuidadores/as passará por um maior apoio da parte do Estado (através de medidas que permitam o descanso do/a cuidador/a, aumento de salários dos/as cuidadores/as formais ou profissionais, melhor fiscalização das instituições que acolhem e prestam cuidados a pessoas idosas, entre muitas outras possíveis), mas também pela oferta de formação específica para a prestação de cuidados. Esta formação, tanto a que é ministrada aos/às cuidadores/as formais, como aos/às cuidadores informais, deverá garantir a compreensão integrada do envelhecimento e da prestação de cuidados a quem deles necessita. Isto significa que deverá dotar os/as cuidadores/as de ferramentas não só para apoiar a pessoa cuidada nas atividades da vida diária, ou na sua estimulação física e cognitiva, como também de capacidades que lhes permitam reconhecer eventuais sinais de burden ou burnout e cuidar da sua própria saúde.
Por outro lado, as pessoas idosas são vistas como um encargo social e económico, uma imagem injusta e que é necessário eliminar. A desconstrução desta imagem negativa deverá passar por conferir mais visibilidade às pessoas idosas e por capacitá-las para o exercício dos seus direitos e para viverem de forma ativa e saudável, o que representará igualmente uma forma de combate à violência que as vitimiza.
A visibilidade será alcançada com a normalização do discurso sobre as pessoas idosas, tanto pelos meios de comunicação social como pelo poder político: o segmento mais velho da população não pode continuar a ser subrepresentado nem apresentado de forma polarizada, olhando-se para os indivíduos idosos apenas como vítimas (de violência ou de contextos socioeconómicos desfavorecidos), como causas de despesa pública ou, por outro lado, como indivíduos excecionais que são o espelho do vigor. As pessoas idosas são um grupo tão heterogéneo como qualquer outro e é essa heterogeneidade que importa fazer transparecer. Mais, as crianças e jovens devem ser habituadas desde cedo a lidar com imagens e referências de pessoas idosas, compreendendo que fazem parte de uma sociedade envelhecida, educando-as para contrariar os preconceitos que existem em relação às pessoas idosas.
As pessoas idosas devem ser informadas sobre os seus direitos e a forma de os exercer, bem como da importância de viver uma vida ativa e saudável. Os programas de televisão desempenham um importantíssimo papel nesta tarefa de informar, pois estão presentes em todo o território português e asseguram a disseminação da informação. A capacitação passa também pelo desenvolvimento de equipamentos que permitam às pessoas idosas manter a sua autonomia por um maior período de tempo possível, não se sentido em necessidade de recorrer a apoio de terceiros.
É fulcral chamar a atenção do público para a realidade que é vivida pelas pessoas idosas. Cremos que muitas das dificuldades experienciadas por estas não são eficazmente combatidas porque são desconhecidas pela generalidade da sociedade, pelo que a sensibilização do público é um meio fundamental para combater não só a violência contra pessoas idosas – através da promoção da intolerância – como as demais vulnerabilidades sentidas por algumas pessoas idosas. A par desta sensibilização deve apostar-se numa verdadeira educação para a cidadania, de modo a que todas as pessoas se desenvolvam valorizando o respeito pelo outro e a empatia. A intolerância da violência e de todas as formas de desigualdade só é plenamente alcançada quando aqueles valores estão presentes na vida em sociedade.
Por fim, há que capacitar também a sociedade para o seu próprio envelhecimento: uma preparação adequada hoje significa pessoas idosas mais ativas, saudáveis e conscientes dos seus direitos amanhã.
Em conclusão, falta ainda percorrer um longo caminho para alcançarmos uma sociedade onde os direitos não têm idade, mas – especialmente quando olhamos para os aspetos positivos da sociedade em que vivemos – cremos que os primeiros passos nesse sentido já foram dados.
Após a profunda reflexão acerca do envelhecimento e da violência contra pessoas idosas em Portugal, levada a cabo no âmbito do projeto Portugal Mais Velho, a APAV e a Fundação Calouste Gulbenkian apresentam uma lista de 30 recomendações nestas áreas.
Estas recomendações são dirigidas a diversas entidades públicas e privadas com o objetivo de contribuir para reflexão, por parte dessas mesmas entidades, numa lógica de governação integrada, sobre a legislação, as políticas públicas e as práticas em Portugal no que toca aos direitos das pessoas idosas.
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Recomendações |
Para quem? |
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Adotar uma perspetiva de direitos humanos transversal a diversas áreas da atuação do Estado. Isto significa integrar nas leis, políticas e programas do Estado, os princípios do sistema internacional de direitos humanos, tendo como base a promoção dos direitos dos/as cidadãos/ãs e não a proteção de pessoas com certas necessidades. A adoção de uma perspetiva de direitos humanos na criação de políticas públicas implica, também, considerar o impacto que terão na população idosa e, em especial, ouvir as pessoas idosas sobre aquelas que mais diretamente lhe digam respeito. |
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Promover uma visão positiva das pessoas idosas através da visibilidade e capacitação das mesmas. Visibilidade: fomentar e normalizar o discurso sobre as pessoas idosas, uma vez que estas representam mais de metade da população. Apresentar imagens mais realistas de forma a combater o retrato bipartido que se faz atualmente entre pessoas idosas como pessoas carenciadas e pessoas idosas como pessoas extremamente ativas. Capacitação: capacitar as pessoas idosas para o conhecimento e exercício dos seus direitos através: - Disseminação de informação em canais acessíveis e adequados; - Fortalecimento das redes comunitárias, isto é, criação de espaços seguros de partilha, entreajuda e cooperação; - Promover a educação para a saúde e a participação das pessoas idosas na tomada de decisões acerca da sua saúde; - Estimular o acesso e utilização, com segurança, das novas tecnologias por parte das pessoas idosas. |
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3 |
Generalização (mainstreaming) do conceito de envelhecimento ativo e saudável : segundo a OMS, as políticas públicas devem ter como objetivo central a promoção da capacidade funcional dos indivíduos. Para tal, importa distanciarmo-nos de uma visão limitada do conceito de envelhecimento ativo e saudável, passando a compreender que a capacidade funcional depende quer de capacidades intrínsecas dos indivíduos quer dos ambientes em que estes se inserem. Envelhecer de forma ativa e saudável permite aos/às cidadãos/ãs prepararem-se para o envelhecimento ao longo da sua vida, permitindo às pessoas idosas manterem-se autónomas por mais tempo, socialmente ativas e participativas. No entanto, o processo de envelhecimento acabará sempre por resultar em alterações na nossa saúde e na perda de capacidades físicas e cognitivas. Isto não tem, porém, de significar uma total perda de autonomia, desde que os ambientes em que o indivíduo se insere estejam preparados para, atendendo às características de cada um, promover a sua autonomia. Cumpre, então, aos Estados criar as estruturas políticas, legais e sociais adequadas à criação de ambientes que potenciem o envelhecimento ativo e saudável. Em Portugal, o ponto de partida será, inevitavelmente, a atualização e entrada em vigor da Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável 2017-2025, que apesar de ter sido elaborada pelo Grupo de Trabalho Interministerial e sujeita a consulta pública em 2017, não está ainda a ser implementada. |
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4 |
Realizar um estudo sobre o impacto da população idosa nas contas do Estado, à semelhança do estudo conduzido, em 2003, pelo Alto Comissariado para as Migrações relativamente aos/às imigrantes. A realização de um estudo que compreendesse a denominada “economia da terceira idade” e outras formas através das quais as pessoas idosas contribuem ativamente para a economia ( como o valor do voluntariado e do apoio familiar), ajudaria a perceber que a alocação de recursos a políticas públicas focadas na população idosa é um investimento e permitiria a quantificação dos seus retornos, seguramente contribuindo para uma visão mais positiva das pessoas idosas e do envelhecimento. |
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5 |
Traçar o retrato continuamente atualizado da violência contra pessoas idosas em Portugal, dando seguimento aos esforços de investigação já realizados e promovendo a realização de estudos longitudinais com amostras significativas que cubram todo o território nacional. Desenvolver, em especial, o conhecimento acerca da violência sexual contra pessoas idosas e da violência perpetrada por cuidadores/as formais ou profissionais, uma vez que existem menos dados sobre estes temas. |
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6 |
Apresentar dados desagregados sobre a vitimação de pessoas idosas nas Estatísticas da Justiça. Ainda que a verdadeira dimensão do fenómeno seja desconhecida devido às cifras negras, a falta de dados desagregados não permite sequer conhecer aqueles que chegam às instâncias judicias, o que seria necessário para otimizar a política criminal. |
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7 |
Sensibilizar a sociedade para as consequências da violência contra pessoas idosas, nos planos individual, familiar, comunitário e social. A utilização do argumento económico é, muitas vezes, eficaz no despoletar de novas políticas públicas e de movimentos sociais de prevenção de fenómenos como a violência. Assim, o aprofundamento dos estudos e quantificação dos custos que a violência contra pessoas idosas tem para os indivíduos, para as famílias e para o Estado (através da estimação de custos com cuidados de saúde, segurança social e justiça), poderá contribuir para a consciencialização global sobre o impacto efetivo da violência contra pessoas idosas. Por outro lado, a quantificação dos custos da violência poderá servir de incentivo ao investimento na prevenção da mesma e na formação dos/as profissionais, sendo depois possível demonstrar quais os retornos de tal investimento. |
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Perceber e combater a invisibilidade da violência institucional através de: - Disseminação de informação sobre o que é violência institucional; - Incentivar a denúncia deste tipo de violência; - Aprofundar a investigação sobre a incidência e sobre os fatores de risco a ela associados. |
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9 |
Melhorar os procedimentos de fiscalização das instituições que acolhem ou prestam apoio a pessoas idosas. Esta fiscalização deverá ir muito além dos aspetos burocráticos (como a altura a que se encontram os extintores, por exemplo), procurando apurar se as pessoas idosas institucionalizadas são tratadas com dignidade ou se estão a ser vítimas de violência ou em risco de ser vítimas, seja esta perpetrada pelo staff ou imposta pelas condições e regras da instituição. |
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10 |
Compreender os fatores de proteção que podem diminuir a vulnerabilidade de uma pessoa idosa a situações de vitimação. A prevenção de, e intervenção em, casos de violência contra pessoas idosas será mais eficaz se estes fatores forem tidos em conta na definição de estratégias de segurança para as pessoas idosas vítimas de crime. |
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Compreender as causas e a incidência de situações de abandono de pessoas idosas em hospitais através da sistemática recolha de dados, nomeadamente, quantas pessoas são abandonadas em unidades de saúde, por quem são abandonadas e por que foram abandonadas. Uma vez mais bem compreendido este fenómeno, será possível avaliar e implementar soluções no seu combate. |
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Conferir uma maior tutela às pessoas idosas vítimas de crime perpetrado em contexto doméstico através do alargamento do conceito de coabitação na alínea d) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal. A atual redação desta alínea exige coabitação entre o/a agressor/a do crime e a vítima particularmente indefesa em razão da idade. Uma vez que em muitos casos de violência contra pessoas idosas o/a agressor/a não vive com a vítima (por exemplo, filho/a que tem a sua própria casa), alguns comportamentos violentos não são qualificados como violência doméstica à luz do critério da coabitação. Para acautelar estas situações bastante frequentes, deverá passar a considerar-se que há coabitação quando o/a agressor/a visita a habitação da vítima de forma tão frequente e por tais períodos de tempo que seja razoável considerá-lo como membro daquela, mesmo que aí não resida. |
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Promover a adoção de termos mais adequados no que diz respeito aos/às cuidadores/as: - Cuidador/a profissional, ao invés de cuidador/a formal - a expressão “profissional” realça a preparação académica e profissional para a prestação de cuidados, refletindo assim as habilitações académicas e técnicas que são necessárias para prestar certos tipos de cuidados, bem como o exercício de uma profissão regida por regras deontológicas, procedimentos transparentes e padrões de qualidade; - Cuidador/a familiar, ao invés de cuidador/a informal - o termo cuidador/a informal, em relação ao termo cuidador/a formal, parece remeter aquele/a para uma posição secundária ou de inferioridade. Por seu turno, a expressão “familiar” remete-nos para um contexto de maior proximidade e afeto, onde não há um substrato profissional. É de esclarecer, contudo, que o termo cuidador/a familiar não engloba apenas os parentes da pessoa cuidada, mas também vizinhos/as ou amigos/as que assumam a função de cuidador/a. |
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Promover a formação dos/as profissionais de saúde e da área social para a adequada prestação de cuidados a pessoas idosas, através da reavaliação dos currículos universitários de cursos como Medicina, Enfermagem, Psicologia e Serviço Social, tal como dos cursos de formação de prestadores/as de cuidados (como os auxiliares de ação direta). É importante que tais currículos incluam como obrigatórias unidades curriculares sobre o envelhecimento e intervenção gerontológica. Esta formação deverá também incluir conteúdos específicos sobre crime e violência, em especial os fatores de risco da violência contra pessoas idosas, e como preveni-la e intervir nestas situações. |
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Desenvolver uma estratégia nacional para a formação de cuidadores/as informais ou familiares. A falta de formação é indicada como uma das maiores dificuldades na prestação de cuidados pelos/as cuidadores/as informais ou familiares. A formação permite não só cuidar melhor de quem necessita, como assegurar uma melhor qualidade de vida ao/à cuidador/a, ensinando-o/a a proteger-se contra os fortes impactos associados à prestação de cuidados, nomeadamente o burnout. Esta formação deverá também incluir conteúdos específicos sobre crime e violência, em especial os fatores de risco da violência contra pessoas idosas, e como preveni-la e intervir nestas situações. |
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Garantir a formação dos dirigentes ou proprietários de equipamentos para pessoas idosas (como ERPI ou Centros de Dia). A falta de formação dos quadros superiores em gerontologia ou outras áreas que compreendam matérias sobre o envelhecimento conduz, muitas vezes, a que as instituições que prestam serviços ou acolhem pessoas idosas adotem uma gestão tendo em vista apenas o lucro, não se preocupando com a qualidade dos cuidados prestados. A garantia da formação especializada levaria mais facilmente não só à adoção de regras de funcionamento que assegurassem cuidados de qualidade, como também à melhor supervisão e acompanhamento dos/as colaboradores/as. |
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Certificação/reconhecimento da carreira profissional nas áreas da gerontologia, incluindo a de cuidador/a formal ou profissional e a de assistente operacional. A certificação é uma forma de dignificação da profissão, o que tem por consequência o maior reconhecimento social e a remuneração mais elevada dos/as profissionais. Sabendo que a falta de reconhecimento social, as dificuldades económicas e a situação precária perante o trabalho são fatores de risco da violência, a certificação da profissão seria uma forma eficaz de os minorar. |
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Criar mecanismos de supervisão e de apoio dos/as cuidadores/as formais ou profissionais e informais ou familiares. A falta de acompanhamento da prestação de cuidados pode dar azo a omissões no cumprimento dos deveres ou até situações de violência, sendo fulcral atuar numa lógica preventiva, dando àqueles/as que prestam cuidados a pessoas idosas a oportunidade de avaliar criticamente os seus conhecimentos, valores, competências e práticas e receber aconselhamento. É igualmente importante que existam serviços de apoio onde os/as cuidadores/as possam partilhar as suas dificuldades e trabalhar em conjunto para as ultrapassar. |
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Definição de uma Política de Família que passe por: - Reconhecer a importância dos/as familiares na prestação de cuidados a pessoas idosas, resultando, entre outras medidas, na alteração do Código do Trabalho. A conciliação entre a vida profissional e a prestação de cuidados é uma das maiores dificuldades apontadas pelos/as cuidadores/as informais ou familiares, sendo urgente combatê-la na prática. No entanto, este Código – e não obstante as disposições do Estatuto do Cuidador Informal – continua a prever apenas licenças, reduções ou flexibilizações de horário para assistência a descendentes e não a progenitores/as ou outros/as familiares idosos/as; - Rever o Direito Sucessório, de modo a permitir uma maior liberdade na disposição de bens (garantindo que numa situação em que os descendentes de uma pessoa idosa que não a apoiem ou até maltratem, possam ser “deserdados”); - Alterar o regime de benefícios fiscais para promover a manutenção da pessoa idosa em sua casa (ou, pelo menos, no seu meio normal de vida). |
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Produzir mais conhecimento sobre a violência entre pessoas idosas em contexto institucional (bullying entre pessoas idosas), à semelhança do que se tem vindo a fazer há largos anos com a violência nas escolas. Atendendo ao atual número de pessoas idosas institucionalizadas, é cada vez mais necessário conhecer a extensão deste fenómeno e perceber como a organização e funcionamento das instituições pode contribuir para existência deste tipo de violência. Uma vez mais bem estudado, será necessário sensibilizar as pessoas idosas, vítimas e agressoras, bem como dotar as instituições de ferramentas para prevenir e reagir adequadamente a este fenómeno. |
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Desenvolvimento de uma estrutura de base comunitária com competência para atuar sobre as vulnerabilidades das pessoas de todas as idades. Estas estruturas, podendo denominar-se Comissões para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade, de âmbito local, desempenhariam funções de promoção e tutela dos direitos dos/as adultos/as que se encontram incapazes de os exercer efetivamente, independentemente da sua idade. Agindo sempre em respeito do princípio da intervenção mínima e com o objetivo de prevenir as situações de vulnerabilidade ou atuar quando estas já se verifiquem, tais estruturas deverão ter várias competências, com maior preponderância nos casos em que se verifiquem os pressupostos do decretamento de medidas de acompanhamento de um/a maior ou naqueles casos em que o acompanhamento já esteja em vigor. A monitorização das Comissões locais deverá ser competência de uma Comissão Nacional para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade. O desenvolvimento destas estruturas partiria da experiência adquirida das comissões de proteção de crianças e jovens e, ainda que tal não fosse imediatamente possível, caminhar-se-ia para a consolidação de uma única estrutura que atue sobre as vulnerabilidades de todas as pessoas independentemente da sua idade. |
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Desenhar uma estratégia de informação sobre os tipos de violência contra pessoas idosas, como preveni-los e como reagir. Disseminar esta informação com especial atenção sobre a violência económico-financeira por ser um tipo de violência não facilmente identificado como tal, nem pelas próprias vítimas, nem pelos/as agressores/as. Para combater estas dificuldades de sinalização deste tipo de violência, deverá, por exemplo, capacitar-se os/as colaboradores/as das entidades bancárias, em especial os/as gestores/as de conta, para que estejam alertados para eventuais situações de violência económico-financeira contra os/as seus/suas clientes mais velhos. |
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Adoção de manuais de boas práticas a utilizar pelos/as profissionais/as que trabalham com pessoas idosas e, em geral, profissionais que contactam com o público, sobre como tratar com dignidade e comunicar com aquelas. Por vezes os preconceitos negativos em relação às pessoas idosas estão de tal modo enraizados que a convivência e/ou trabalho com aquelas não é suficiente para os derrogar. Assim, estes manuais, sendo facultados num momento de formação inicial ou contínua, demonstrar-se-iam fundamentais para garantir a capacitação e desconstrução dos preconceitos dos/as profissionais que lidam com pessoas idosas. |
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Alterar a representação normalmente feita das pessoas idosas nos meios de comunicação e noutras formas de disseminação de informação e imagem, por exemplo anúncios, livros ou manuais escolares. Os meios de comunicação social e de disseminação de imagem influenciam o modo como nos relacionamos com os outros. Desta maneira, a sub-representação das pessoas idosas, por um lado, e, por outro, a representação das mesmas de formas que não correspondem à realidade, focando-se, ao invés, em situações extremas (como pessoas idosas doentes, frágeis e dependentes e pessoas idosas extremamente ativas), permitem a perpetuação de estereótipos e discriminação. Inversamente e considerando a tal forte influência que exercem na sociedade, estes meios de comunicação e de disseminação de imagem devem contribuir para a difusão de imagens mais realistas e positivas das pessoas idosas. |
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Promover a formação de jornalistas sobre violência, em particular violência contra pessoas idosas, sobre os direitos e necessidades das vítimas, sobre como comunicar com as mesmas e, acima de tudo, sobre como transmitir informação sobre casos de crime e violência ao público sem prejudicar as vítimas, a sua privacidade e segurança. Estas oportunidades formativas podem ocorrer em contexto curricular mas também em contextos informais como eventos, discussões e debates entre jornalistas, dirigentes dos grupos de comunicação social, as organizações da sociedade civil e o público sobre a representação das pessoas idosas e o papel que os média poderão ter na desconstrução dos preconceitos em relação a estas. |
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Estimular a aprendizagem ao longo da vida e desconstruir o preconceito de que a vontade e capacidade de aprender estagnam na idade adulta. As Universidades Sénior são uma boa prática já bastante generalizada. No entanto, deverá garantir-se que os currículos estimulam verdadeiramente a aprendizagem e autonomia, não se tratando meramente instituições com oferta de ocupação de tempo/lazer. Além disso, as Universidades Sénior poderão ser um motor de promoção da intergeracionalidade se, por exemplo, forem localizadas perto ou mesmo dentro dos Campi Universitários. Deverá igualmente estimular-se, neste contexto, o desenvolvimento e/ou consubstanciação de programas de formação universitária para seniores (por exemplo, cursos livres, ciclos de conferências). |
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Promover programas e soluções intergeracionais com impacto positivo comprovado, estimulando, desde logo, as relações entre as gerações no seio da família. Aqueles programas e soluções, por exemplo tertúlias ou iniciativas de voluntariado abertas a todas as idades, deverão ter em vista o fomento da cooperação, interação e partilha com base nas potencialidades de cada indivíduo e grupo etário. |
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Integrar o paradigma dos direitos humanos na educação e formação académica das crianças e jovens. As camadas mais novas da população são, muitas vezes, o motor da mudança do pensamento da sociedade, tendo a capacidade de aprender e de ensinar valores aos outros. Se, desde cedo, desenvolverem o pensamento crítico, mais facilmente reagirão de forma ativa aos estereótipos e preconceitos que lhes são transmitidos pela sociedade. Além disso, a transmissão de valores como o respeito pelo outro e a empatia, diminuirá a tolerância a atos de violência, nomeadamente contra pessoas idosas. |
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Melhorar implementação, avaliação e impacto dos programas e/ou projetos na área do envelhecimento ou que tenham por destinatárias pessoas idosas, por exemplo: - Garantir que os programas e/ou projetos financiados se enquadram numa lógica de governação integrada e que respondem às prioridades nacionais traçadas nesta área; - Criar orientações nacionais para a o financiamento, supervisão e avaliação de programas e/ou projetos, de forma a garantir que estes respondem às necessidades efetivas da população e que resultam na promoção da autonomia dos/as destinatários/as, e não na perpetuação da sua dependência. Estas orientações devem valer quer para entidades financiadoras públicas, quer privadas, precisamente numa ótica de governação integrada; - Agilizar processos que permitam que os programas e/ou projetos avaliados positivamente resultem em alterações e melhorias das políticas públicas e que sejam replicados, quando possível. |
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Monitorizar e avaliar as políticas públicas na área do envelhecimento através da criação de um grupo de trabalho interdisciplinar e interministerial e com participação da sociedade civil na dependência do Gabinete da Ministra de Estado e da Presidência. A resposta aos desafios suscitados pelo envelhecimento e o combate à discriminação, marginalização e violência contra pessoas idosas não se esgota com a criação de políticas públicas mas implica, igualmente, uma séria monitorização e avaliação das mesmas. A avaliação de políticas públicas, na sua vertente político-estratégica e democrática remete para a responsabilização e para a transparência e, na sua vertente de gestão, permite uma melhor gestão pública e prestação de contas. Assim, aquela monitorização e avaliação deveria competir a um grupo de trabalho composto por representantes de instituições, de natureza pública ou privada, numa ótica da governação integrada, assegurando uma análise mais completa das políticas públicas, dado que nenhuma instituição consegue, por si só, conhecer qualquer fenómeno em toda a sua extensão. Nesta ótica de governação integrada, de desenvolvimento de soluções e relações interorganizacionais para problemas sociais complexos, a participação da sociedade civil neste grupo de trabalho não deverá resumir-se às organizações com assento na Comissão Permanente do Setor Social e Solidário mas sim alargando-se também àquelas que pela sua missão, reconhecido mérito e experiência na intervenção junto das pessoas idosas, possam contribuir contínua e positivamente para a monitorização e avaliação de políticas públicas nesta temática. |
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O projeto Portugal Mais Velho – Formar quem Cuida, Sensibilizar quem Decide, é uma iniciativa follow-up do projeto Portugal Mais Velho (jan 2019 – out 2021) que nasceu das necessidades identificadas como mais prementes pela APAV e pela Fundação Calouste Gulbenkian na conclusão da primeira inicativa.
Assim, o objetivo do projeto Portugal Mais Velho – Formar quem Cuida, Sensibilizar quem Decide é, por um lado, implementar ações de formação para cuidadores e cuidadoras profissionais de pessoas idosas sobre o tema da violência, seus fatores de risco, como identificá-los e previni-los; e, por outro lado, procurar sensibilizar o poder político, nacional e local, para a necessidade de criar políticas públicas coordenadas na área do envelhecimento e da violência contra pessoas idosas.
O e-book “o Direito dos “mais velhos” – Breve resenha de legislação editado pelo CEJ – Centro de Estudos Judiciários (Ministério da Justiça) em 2022 é o resultado da parceria entre o CEJ e a APAV no âmbito do Projeto Portugal Mais Velho com o apoio e parceria da Fundação Calouste Gulbenkian.
Esta resenha colige o universo de atos normativos que relevam do direito dos “mais velhos” ou das pessoas idosas, dispostos por diversos temas, abarcando a transversalidade das matérias.
A Fundação Calouste Gulbenkian foi criada em 1956 pelo testamento de Calouste Sarkis Gulbenkian, um filantropo que desejava criar uma Fundação com o objetivo de melhorar a qualidade de vida através da arte, caridade, ciência e educação.
Além da promoção de atividades culturais, a Fundação Calouste Gulbenkian segue os seus objetivos através da criação de programas de financiamento inovadores, da oferta de bolsas de estudo e de subsídios para outras instituições e organizações. A Fundação desenvolve também o Programa Coesão e Integração Social, que procura incentivar novas dinâmicas no setor social, estando particularmente focado na promoção do bem-estar e qualidade de vida de grupos vulneráveis da população, como crianças e jovens, idosos, migrantes e refugiados.
A Fundação Calouste Gulbenkian tem sido um parceiro da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) em diversas iniciativas, assim contribuindo grandemente para a melhoria dos serviços de apoio à vítima em Portugal.
Fique a conhecer mais sobre a Fundação Calouste Gulbenkian aqui.
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