12 perguntas e respostas sobre
violência sexual contra crianças e jovens

Consulte aqui a resposta a algumas perguntas sobre o fenómeno da violência sexual contra crianças e jovens.

1. A violência sexual contra crianças e jovens é um acontecimento raro e pouco frequente?

É comum que a sociedade tenda apenas a assumir que os casos existentes são raros, restringindo-se apenas aos que são divulgados pelos Órgãos de Comunicação Social.

No entanto, quando existem casos "mediáticos", que são amplamente difundidos e explorados, poderá assumir-se que, nos contextos onde ocorrem, são muito frequentes (ex.º contexto de institucionalização).

Na realidade, muitas crianças em todo o mundo são frequentemente vítimas de violência sexual.

Mas, mesmo assim, os dados estatísticos são sempre um breve reflexo da realidade global, a "ponta do iceberg.

Ou seja, eles apenas revelam uma parte diminuta do total das crianças que são vítimas, mostrando somente os números das que pediram ajuda a alguém ou das que foram descobertas, como se pode verificar pela pirâmide invertida dos crimes existentes versus condenações.

piramide cifras negras

2. A violência sexual só acontece em ambientes socioeconómicos desfavorecidos?

Todas as crianças e jovens podem ser alvo de violência sexual, independentemente da sua origem socioeconómica. 

De facto, crianças e jovens com diferentes tipos de carências podem ser alvo destes atos, sejam essas carências socioeconómicas, afetivas, de supervisão, ou de educação sexual - o que pode acontecer em famílias de qualquer estrato social.
 

3. Quando a criança ou jovem sofre o crime, conta logo a alguém?

Existem vários fatores que poderão ter impacto na propensão da criança ou jovem para revelar a situação de que foi vítima:

  • As estratégias do/a autor/a do crime;
  • A relação deste/a com a vítima;
  • A antevisão das possíveis consequências da revelação (ex.º perceber que a revelação poderá levar à condenação do/a autor/a, o que pode frear a vontade de revelar, especialmente se o/a autor/a for alguém próximo);
  • As caraterísticas da personalidade da vítima;
  • A fase de desenvolvimento em que se encontra;
  • A forma como esta lida com a situação;
  • Os sentimentos de culpa, vergonha e medo;
  • O tipo, severidade e consequências da vitimação.


Tudo isto pode influenciar o tempo decorrido entre o(s) acontecimento(s) e a revelação, bem como o momento em que esta acontece, a forma como é feita e a quem a vítima se dirige para este efeito.

É importante lembrar que a revelação pode não ser feita de forma verbal, mas também por meio de desenhos ou manifestação de sintomas, e que a mesma pode não transmitir uma informação clara, uma vez que depende da compreensão da vítima sobre o que aconteceu.

Em alguns casos é mais tarde, quando a vítima inicia a sua vida sexual, ou quando outro acontecimento a faz reviver essas memórias, que surgem alguns sintomas ou a necessidade de revelar a situação de violência sexual na infância ou adolescência.
 

4. Quando a criança ou jovem não mostra resistência, é porque quer ou gosta do ato sexual?

Em geral, podem apontar-se três possíveis reações das crianças ou jovens no decurso da vitimação:

  • passividade;
  • agressividade;
  • atividade.

O facto de a vítima não resistir aos atos contra si perpetrados não significa que os esteja a apreciar ou a gostar.

Assim, a forma como irá reagir à situação de violência sexual dependerá em grande parte das estratégias de adaptação que a criança ou jovem detém, independentemente de aquelas serem mais ou menos adaptativas.

Como já enumerado anteriormente, existem vários fatores que poderão influenciar a forma como a vítima reage à situação e fazer com que não mostre resistência, apesar de a situação não lhe ser agradável:

  • as estratégias do/a autor/a do crime para controlar a criança ou jovem;
  • as caraterísticas de personalidade de cada um dos intervenientes (autor/a e vítima);
  • o tipo de relação existente entre autor/a e vítima;
  • a perceção que a criança ou jovem tem do acontecimento;
  • os sentimentos de culpa e medo associados.

Ainda assim, a criança/jovem poderá sentir prazer na relação sexual com o/a adulto/a, uma vez que, e principalmente se já tiver passado a fase da puberdade, tem a capacidade de se sentir estimulada sexualmente.

Contudo, a vítima poderá não estar preparada, nem física, nem psicologicamente, para ter relações sexuais, principalmente com alguém numa fase de desenvolvimento bastante diferente da sua.

Por outro lado, o prazer sexual na criança ou jovem está muitas vezes associado à perceção de afeto, especialmente se a interpretação do comportamento sexual for distorcida pelo/a autor/a do crime nesse sentido – ou seja, se o/a autor/a convencer a criança ou jovem de que o ato que está a praticar é apenas e só uma manifestação de afeto.
 

5. Há algumas crianças ou jovens que são sedutores/as e, de alguma forma, provocam o comportamento sexual por parte do/a adulto/a?

Ainda que se tenha em conta que uma atitude de curiosidade relativamente à sexualidade faz parte do processo normal de desenvolvimento de uma criança, isso não quer dizer que tenha intenção clara e consciente de se envolver sexualmente com um/a adulto/a ou alguém mais velho.

Por vezes, mesmo que verbalize essa vontade, esta pode assentar em expetativas irrealistas acerca da relação sexual ou consistir na mera reprodução de comportamentos observados.

Deste modo, cabe ao/à adulto/a ou à pessoa mais velha recusar o comportamento sexualizado da criança ou jovem, tomando em consideração que esta pode ainda não ter completa consciência do teor e consequências dos seus atos.

Por outro lado, este é um argumento frequentemente utilizado pelos/as autores/as dos crimes de natureza sexual para justificar os seus atos, com vista a descredibilizar a vítima, dividir o eventual sentimento de culpa com aquela ou mesmo porque, em alguns casos, interpretam de um forma distorcida os comportamentos das crianças ou jovens, podendo perceber um gesto de carinho ou procura de afeto, como uma atitude de insinuação e desejo de estimulação sexual.
 

6. Os crimes sexuais contra crianças envolvem sempre violência física, ameaças ou coação?

Nem sempre a perpetração dos crimes sexuais está associada a violência física, ameaças ou coação, podendo o/a autor/a do crime recorrer a estratégias de sedução e manipulação, e a aproveitar-se, por vezes, da inexperiência das crianças ou jovens para as levar a colaborar nas práticas sexuais ou para camuflar os comportamentos sexualizados, o que poderá dificultar a recolha de vestígios físicos da prática dos atos.

Além disso, existe um outro sem número de condutas que configuram violência sexual e que não envolvem o contacto físico entre vítima e autor/a ou, quando envolvem, são atos que dificilmente deixam algum tipo de vestígio físico que possa ser recolhido e utilizado como prova, o que não quer dizer que o ato sexualmente abusivo não tenha acontecido.

7. Agressão sexual implica sempre penetração vaginal ou anal?

Para algumas pessoas a relação sexual é conceptualizada apenas dentro do conceito da penetração vaginal ou anal, pelo que poderão ver a possibilidade de ocorrência de crimes sexuais contra crianças e jovens da mesma forma.

No entanto, existe um outro conjunto de comportamentos a que o/a autor/a do crime pode recorrer para retirar prazer do contato com a vítima, que poderão passar pela penetração com outras partes do corpo ou objetos, toques, carícias, masturbação, exibicionismo, recurso a fotografias ou vídeos, ou quaisquer outros comportamentos que propiciem a excitação sexual.

Os/as autores/as dos crimes também podem recorrer a este tipo de atos com o objetivo de não deixarem vestígios, de forma a diminuírem a probabilidade de serem descobertos.

8. Os bebés e as crianças muito pequenas podem ser vítimas?

Estatisticamente, a maioria dos crimes sexuais reportados oficialmente diz respeito a crianças entre os 8 e os 13 anos. 

No entanto, crianças mais pequenas poderão igualmente ser alvos destes atos, por diferentes razões, que vão desde a preferência dos/as autores/as por estas faixas etárias, ou porque as vítimas lhes estão mais acessíveis, ou ainda porque é mais fácil manter a perpetração dos atos de forma continuada.

Com efeito, crianças entre os 0 e 7 anos têm uma menor capacidade de se expressarem verbalmente, de forma a serem completamente entendidas, e de pedir ajuda, e poderão ser mais facilmente envolvidas nos atos através das estratégias de colaboração apresentadas pelos/as autores/as. 

9. Quem ouve os relatos de uma situação de abuso denuncia sempre a situação?

Os crimes sexuais contra crianças e jovens, pela sua natureza, tendem a gerar maior sensibilidade junto de quem deles tem conhecimento.

Todavia, tal não significa que exista uma maior propensão para que sejam denunciados, por diferentes razões: o pudor, o receio de represálias, ou o facto de não acreditarem que são verdadeiras as situações de que tomam conhecimento.

Mesmo quando a revelação do crime pela criança ou jovem acontece junto dos seus progenitores, representantes legais ou de um/a adulto/a da sua confiança (ex.º: familiar, professor), a denúncia pode tardar ou nunca acontecer, por vergonha, culpa, receio das implicações dentro do sistema em que a criança/jovem se insere (ex.º: família, instituição de acolhimento, escola, sociedade em geral), ou mesmo pela crença de que o processo-crime poderá ser nocivo para a vítima.

Também é de lembrar que alguns crimes acontecem com a conivência dos/as cuidadores/ as da vítima, podendo até estes/as retirar benefícios da situação de abuso.

Outras vezes, a criança ou jovem poderá ser alvo de negligência, quando quem cuida de si não valoriza o impacto que a vitimação pode ter no seu desenvolvimento.

No entanto, é absolutamente fundamental que quaisquer atos de que se tenham conhecimento sejam imediatamente denunciados às autoridades policiais/judiciais competentes, pois apenas estas têm competência para aferir da veracidade das suspeitas que tenham sido levantadas.

10. O/a autor/a do crime é um desconhecido com aspeto duvidoso?

Vários estudos e estatísticas indicam que os crimes sexuais contra crianças e jovens são cometidos na sua maioria por pessoas conhecidas destes que tenham com a vítima maior ou menor proximidade.

Mesmo que os/as autores/as dos crimes sejam desconhecidos/as das vítimas tendem a estar integrados/as na sociedade e junto de uma estrutura familiar normativa, podendo ser conhecidos/as pelo seu afeto junto das crianças ou jovens, sendo esta uma potencial estratégia para a aproximação bem-sucedida junto das vítimas e consequente perpetração dos atos de violência sexual.
 

11. As crianças mentem?

É pouco comum que as crianças/jovens mintam deliberadamente e consigam manter uma história com detalhes, de forma consistente, especialmente as crianças mais novas.

Ainda assim, não pode deixar-se de mencionar que as crianças/jovens podem, por vezes, confundir a realidade com as fantasias que criam, pela forma como integram os diversos estímulos que lhes chegam (ex.º: televisão, revistas, eventos que veem acontecer com outras pessoas).

Além disso, é possível que, pela influência de outras pessoas, as crianças ou jovens verbalizem recordações falsas que podem ser formadas com um propósito voluntário, por parte de alguém que poderá pretender usar a criança/jovem para desencadear uma acusação falsa contra o/a alegado/a autor/a do crime (ex.º: conflitos em processos de regulação das responsabilidades parentais, vinganças pessoais).

Contudo, a introdução de memórias falsas também pode ser desencadeada por outras pessoas que, ao interpretar erradamente uma determinada situação, poderão fazer questões sugestivas à criança ou dar-lhe pistas sugestionadas para recordarem algo que acreditam ter acontecido, levando a criança/jovem a crer que vivenciou o que lhe foi descrito.

Além disso, em jovens mais velhos, nomeadamente adolescentes, existem casos em que estes poderão criar histórias de violência sexual com objetivos secundários (ex.º: justificar ausências de casa, tentativas de manipulação da atenção dos adultos).

Assim, a investigação acerca da veracidade e validade do testemunho da vítima é competência reservada aos Órgãos de Polícia Criminal e Autoridades Judiciárias, pelo que os restantes intervenientes (ex.º: familiares, técnicos/as) deverão zelar pela proteção da vítima e do seu testemunho, nomeadamente evitando o questionamento à criança/jovem sobre os factos, sob risco de se colocar em causa a produção de prova em sede de processo-crime.
 

12. Quando a criança tem dúvidas, não se recorda de algum aspeto, ou se recusa a falar, é porque está a mentir?

As crianças e jovens nem sempre conseguem verbalizar a vitimação de que foram alvo com precisão, não porque estejam a mentir, mas por outros motivos, como pelo normal desgaste da memória, provocado pelo tempo decorrido entre o momento do abuso e aquele em que a vítima o revela.

Crianças mais novas poderão experienciar dificuldades em verbalizar ou expressar o que aconteceu, especialmente pelo seu vocabulário, geralmente muito reduzido.

Outros motivos subjacentes às possíveis lacunas, inseguranças e incongruências de alguns relatos poderão advir das circunstâncias do crime e da forma como a vítima integra tais informações.

Com efeito, as ameaças, subjugação, manipulação ou distorção dos factos provocadas pelo/a autor/a do crime poderão fazer com que a vítima se sinta culpada ou acredite que os factos aconteceram de forma diferente, gerando dúvidas, medo ou vergonha que se podem vir a refletir no discurso da criança ou jovem.

Por outro lado, os próprios mecanismos de defesa da criança ou jovem poderão desencadear uma clivagem ou recalcamento da informação que a mente terá dificuldade em processar, tornando as memórias difusas e de difícil recuperação.

Concomitantemente, a especificidade íntima da vitimação poderá fazer com que a criança ou jovem se retraia ao relatar os factos, tendo em conta os contextos onde isso lhe poderá ser pedido (ex.º: perante desconhecidos, nos Órgãos de Polícia Criminal, no Tribunal), levando a que sinta ansiedade, vergonha ou receio, que poderão ter impacto no seu discurso e na forma como vai conseguir aceder às suas memórias.


Aviso/Disclaimer

Algumas das informações deste site foram simplificadas para poderem ser compreendidas por qualquer pessoa. Esta simplificação não põe, no entanto, em causa o rigor e a correção dos conteúdos. Os conteúdos deste site foram criados pela APAV no âmbito do Projeto CARE plus, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Os conteúdos refletem o ponto de vista da APAV, não podendo aquela entidade ser responsabilizada por qualquer utilização que possa ser feita da informação aqui contida.