• É normal que imediatamente após o crime e/ou nas primeiras semanas após, as pessoas afetadas possam experienciar:

    Imediatamente após:

    • estado de choque emocional
    • pânico
    • fortes reações físicas e psicológicas (choro, falta de forças, apatia, tremor, etc.)
    • pânico de morrer
    • impressão de estar a viver um pesadelo
    • negação da morte do/a familiar ou amigo/a, caso tenha ocorrido
    • desorientação
    • sentimento de solidão
    • sentimento de impotência
    • sentimentos de raiva e vontade de fazer justiça pelas próprias mãos


    Nos dias e semanas seguintes ao crime:
    • dúvida quanto à normalidade das suas reações
    • ambivalência emocional
    • mudanças bruscas de humor
    • início do processo de luto, caso tenha havido uma morte


    É também possível que experienciem:

    Reações físicas:

    • perda de energia
    • diminuição dos níveis de resistência
    • dores musculares
    • dores de cabeça e/ou enxaquecas
    • distúrbios ao nível da menstruação
    • arrepios e/ou afrontamentos
    • problemas digestivos (aumento ou diminuição do apetite, náuseas)
    • tensão arterial alta
    • mudanças no comportamento sexual


    Reações psicológicas:
    • solidão
    • culpa
    • sentimento de ser tratado/a injustamente
    • raiva
    • desconfiança
    • tristeza
    • flashbacks (imaginação de imagens ou pensamento relacionados com o crime)
    • falta de motivação


    Reações psicossociais:
    • isolamento
    • tensões familiares e conjugais
    • medo de estar sozinho/a
    • sentimento de incompreensão por parte das outras pessoas
    • evitamento de locais que causam um sentimento de insegurança


    A gestão destes sintomas, através do apoio da RAFAVHT, pode ajudar a minimizar estes efeitos, trazendo, dentro do que é possível, algum conforto e estabilidade.




    • Perante a morte de alguém com quem se mantinha um vínculo de parentesco e/ou de afeto, entra-se em processo de luto.

      Esta é uma reação natural à perda de alguém: é a adaptação de uma pessoa à realidade da ausência permanente de outra pessoa.

      Pode classificar-se o processo de luto em seis valências:

      • Variável: o luto é uma realidade pessoal, variando na forma como é expressado externamente.
      • Incomensurável: não é possível medir um processo de luto na sua extensão ou profundidade – é algo que se desenvolve apenas por aquela pessoa, na sua interioridade.
      • Incomparável: ainda que possam existir semelhanças traçadas pelos diferentes relatos de diferentes pessoas, estas características não revelam a totalidade do que é sentido por uma pessoa em luto.
      • Pessoal: o processo de luto obedece a uma singularidade pessoal – à daquele que o desenvolve - em interação com uma multiplicidade de fatores internos e externos.
      • Não-grupal: o processo de luto não é apenas uma realidade conjunta – “uma família em luto”. Na verdade, sob um “luto conjunto”, há vários processos de luto a decorrer, cada um com as suas particularidades e os seus ritmos próprios.
      • Complexo: durante o desenvolvimento do processo de luto, interferem múltiplos e complexos fatores, de ordem histórica (sobretudo relacionadas com as circunstâncias da morte do ente amado), psicológica, familiar e social, entre outras.


      O luto é um processo psicológico pelo qual a tristeza experimentada por uma perda significativa vai sendo dissipada.

      O luto não é um fenómeno estático, mas um processo que implica, como todos os processos, uma progressão no tempo.

      O luto exige um reajustamento ao novo contexto: está em aberto o espaço até então ocupado pela pessoa que morreu.

      Este reajustamento proporciona o desenvolvimento de novas relações e a afirmação, ou reafirmação, de novos laços no futuro.


    • Comportamentos e Reações do Processo de Luto "Normal"

      Num processo de luto considerado “normal”, sentem-se emoções e têm-se comportamentos que podem afastar-se consideravelmente dos hábitos e das atitudes que eram correntes antes da perda.

      Estas alterações não são, no entanto, as mesmas que implicam desvios mentais profundos, de natureza patológica (por exemplo, a paranoia, o estado maníaco e até mesmo a depressão).

      O que é vivido num luto normal é um conjunto particular de condições emocionais, visando uma saída saudável para a perda.


      Os aspetos mais marcantes de um processo de luto normal são:

      • Um desânimo profundo, isto é: falta de vontade geral para a vida, pelo que todo o quotidiano é vivido com esforço e de forma penosa;
      • Um grande desinteresse pelo mundo exterior, uma vez que este não pode voltar a ser o mesmo, nem pode devolver o ente amado;
      • Uma perda de “capacidade para amar de novo”, por não se conseguir aceitar que alguém venha a ocupar o lugar deixado vazio pelo ente amado – uma vez que se considera que este é insubstituível;
      • Uma dificuldade em desenvolver toda e qualquer atividade que não esteja simbolicamente associada à memória do ente amado.



      Os sintomas apresentados por uma pessoa em luto manifestam-se em diferentes dimensões.

      Ao nível psicológico, a pessoa em luto pode experienciar:

      • Grande adormecimento
      • Expressões de raiva
      • Sentimento de culpa
      • Autorrecriminação
      • Ansiedade
      • Solidão
      • Fadiga mental
      • Desamparo
      • Choque
      • Estarrecimento
      • Tristeza profunda
      • Angústia
      • Descrença
      • Confusão
      • A inquietante sensação da “presença do ente amado”, como se não tivesse morrido, podendo mesmo chegar a ter alucinações visuais e/ou auditivas
      • Sensação de despersonalização (sentir-se “desfeito/a em pedaços”)
      • Sonhos frequentes com a pessoa que faleceu
      • Necessidade de recordar episódios felizes vividos por ambos, tentando visitar os lugares que foram cenário dessas memórias e guardando objetos alusivos a esses episódios.
      • Crises de choro compulsivo, nas mais variadas ocasiões, mesmo quando não está inserida num contexto relacionado com o ente amado.


      Ao nível físico podem surgir:

      • Sensação de “vazio no estômago”, “aperto no peito”, “nó na garganta”
      • Hipersensibilidade ao ruído
      • Falta de ar
      • Suspiros profundos
      • Fraqueza muscular
      • Falta de energia
      • Boca seca.
      • Cansaço progressivo, associado também a alterações do sono e do apetite.


      Ao nível social podem haver manifestações de:

      • Comportamento “flutuante”, isto é, parece que a pessoa “flutua” sobre os acontecimentos do quotidiano, sem se empenhar ou envolver neles
      • Esquecimento de tarefas do dia-a-dia, pessoais ou laborais
      • Isolamento social, distanciando-se de familiares e/ou amigos/as, de grupos de convívio e, de uma forma genérica, de ocasiões onde haja aglomerados de pessoas.


      • O sofrimento vivido por uma pessoa em processo de luto pode afetar as pessoas adultas em si mesmas, mas também nas dimensões familiar, profissional e social, o que poderá acarretar vários problemas.


        As manifestações do processo de luto não ocorrem de forma aleatória no tempo. Num processo de luto “normal”, que dura cerca de seis meses a um ano (ou um pouco mais, dependendo das pessoas e das circunstâncias), as manifestações têm um desenvolvimento ordenado e gradual.


        Apesar da complexidade do fenómeno, a compreensão da dinâmica do processo de luto pode ser melhor percebida se este for visualizado em três fases:

        • A fase da crise
        • A fase da desorganização
        • A fase da organização

      • O luto em pessoas adultas inicia-se invariavelmente aquando da receção da notícia da morte.

        No caso de situações associadas a morte por ação de um homicídio ou ato terrorista, é nesta fase que também se inicia o procedimento criminal, isto é, a investigação que permitirá concluir a causa da morte e a sua eventual autoria.


        Na fase da crise, a partir da notícia da morte, a pessoa experimenta um embate emocional.

        Este impacto pode ser sentido por muitas horas, chegando a durar, por vezes uma semana inteira.

        Neste embate podem verificar-se:

        • Repentinas explosões de aflição e de ânsia
        • Aumento da tensão arterial e da frequência cardíaca
        • Sentimentos de “dormência” ou “torpor”, que são consequências naturais do choque vivido, nos quais a pessoa sente que “flutua sobre os acontecimentos”, com a vaga sensação de que está a viver um pesadelo, ou seja, que não está totalmente acordada e consciente da realidade; é como se estivesse “anestesiada”
        • Sentimentos de que “foi despenhada de um monte”, associado a prostração intensa



        Adicionalmente, podem ser percebidas ainda diferentes formas de manifestação de negação da morte da pessoa:

        • Ao receber a notícia, manifestando algum tipo de reação física (ex.º empurrar, agredir) para com a pessoa que transmite a notícia de morte, ou dizendo, por exemplo “Não pode ser!”;
        • Nos comportamentos quotidianos, quando a pessoa se comporta como se a morte não tivesse ocorrido de facto – referir-se à pessoa como estando viva, manter intactos os objetos;
        • Afastamento das exéquias, referindo, por exemplo, que pretende manter “as boas memórias”, ou dizendo que “não gosta de funerais” ou admitindo simplesmente não querer estar presente no funeral para não admitir/acreditar que aquela pessoa morreu;
        • Situações de Questionamento / Vingança / Medo / Ansiedade, perguntando, por exemplo, “Porque tinha de morrer ele/a e não outra pessoa?”



        Na fase da crise, em particular associada a situações de homicídio, influem também para a reação da pessoa em luto:

        • a intensidade com que foi cometido o crime (por exemplo, a vítima ter sido mutilada viva, ou torturada com ferros em brasa);
        • o carácter súbito do crime (por exemplo, um homicídio num meio de transporte público);
        • a premeditação do crime (por exemplo, saber-se que a vítima há já algum tempo vinha sendo ameaçada de morte)
        • os contornos e o contexto do homicídio



        Na fase da crise inscreve-se também a necessidade de a pessoa comunicar a morte a outros/as familiares, pessoas amigas e/ou conhecidas.

        Esta comunicação é percecionada como desconfortável pois, além de ter de pensar na melhor forma de o comunicar, a pessoa vê-se obrigada a suportar, ainda que por instantes, as reações dos outros (sobretudo, choro compulsivo, negações, perguntas, confusão, etc.).


        Na fase da crise pode ocorrer a necessidade de uma pessoa em luto ter de identificar o cadáver.

        Esta fase pode ser particularmente perturbadora e dolorosa, uma vez que a pessoa visionará um ente querido, despido e colocado quase anonimamente na mesa de uma morgue.

        Além deste momento, a perspetiva da realização de uma autópsia, obrigatória perante a suspeita de morte violenta, pode aumentar a crise emocional de familiares e amigos/as, que sofrem com a possibilidade de o corpo do ente querido ser “aberto e remexido”.


        Inserem-se também na fase de crise as exéquias, que, frequentemente, ocorrem apenas vários dias depois da notícia da morte.

        As exéquias são um momento de grande importância no processo de luto. Pode haver pessoas que experienciam as exéquias como:

        • o momento mais traumático depois de saberem da morte da pessoa; é nesta ocasião que percebem que, de facto, o ente querido morreu;
        • o momento de expressão de emoções, por exemplo, gritando e chorando, ou insultando alguma pessoa, presente ou ausente, que considere culpada daquela morte como que aproveitando “os últimos instantes” de “contacto” com o seu ente querido.
        • o momento de intimidade e silêncio; há pessoas que vivem as exéquias de forma mais apática, sendo o silêncio o lugar de toda a intimidade onde fazem a despedida do ente amado.



        Na fase da crise também se pode verificar a ausente presença do ente querido.

        A pessoa em luto pode “sentir” a presença do ente querido, “vendo-o”, “ouvindo-o”, tendo a “impressão de que continua vivo”.

        Adicionalmente, a pessoa em luto pode tornar-se muito sensível a quaisquer estímulos exteriores que estejam associados, pela memória, à pessoa que perdeu (por exemplo, ao perfume que usava, à cor e à música que preferia, etc.).


        Sobretudo quando a morte está associada a um homicídio ou ato terrorista, algumas pessoas em luto, nesta fase da crise, procuram obter informação para “crerem” na verdade do que aconteceu.

        Nestas situações, muitas vezes a investigação decorre sob Segredo de Justiça, limitando-se desde logo o acesso a um conjunto de informações que estão associadas à investigação.

        A pessoa em luto pode tender a não aceitar esta limitação, ficando ansiosa sobre “o que estarão a esconder-lhe”, tornando-se desconfiada e agressiva em relação aos próprios investigadores, com os quais seria importante, pelo contrário, colaborar.

        O sentimento de que foi feita justiça em tribunal, para além de inibir os frequentes desejos de vingança (ou de “justiça pelas próprias mãos”), ajuda a desenvolver saudavelmente o Ciclo do Luto.

        Isto, contudo, nem sempre é possível, ou pode demorar bastante mais tempo do que seria desejável pela pessoa em luto.


      • Esta fase ocorre quase sempre uns dias depois da morte do ente querido e das suas exéquias já cumpridas, sobretudo, o velório e funeral, restando, em alguns casos, outras liturgias, a realizar em datas posteriores.

        Em alguns casos pode, no entanto, surgir umas semanas depois, na medida em que tiver demorado a Fase da Crise e dependendo da intensidade que esta teve.


        Após a morte e a fase da crise, é possível que a pessoa em luto experiencie uma sensação de vazio e de desorientação, podendo manifestar dificuldades em organizar os diferentes aspetos da sua vida depois da notícia da morte, da divulgação da mesma, de outras diligências (ex.º reconhecimento de cadáver) e das exéquias.

        Também é possível que a pessoa em luto experiencie, nesta fase, ansiedade e medo.

        Nos casos de homicídio, tal ansiedade e medo podem ser bem reais: há um processo-crime a decorrer, nos quais, por vezes, a pessoa em luto é parte interveniente como testemunha, mas do qual obtém pouco feedback.

        Com efeito, estes são processos cuja investigação corre sob segredo de justiça; e, sem o devido acompanhamento e esclarecimento, a pessoa em luto pode iniciar uma espiral de receios, como por exemplo:

        • "A Polícia está desinteressada na investigação"
        • "Não vai ser possível saber quem fez isto"
        • "Como não sabem quem foi, a próxima pessoa posso ser eu"
        • "Como sabem quem foi mas ainda não o/a apanharam, há risco de que eu/um familiar próximo seja vítima também"
        • "Se preciso de segurança adicional, então o meu medo é real"

        Nesta fase, a pessoa em luto:

        • Sofre de desalento e a sua dor pode ser tão angustiante que facilmente acredita, de novo, estar “prestes a enlouquecer”: tudo ameaça rutura e caos.
        • Tende a tornar-se irritável, reagindo de maneira negativa e brusca a determinados estímulos, por pequenos e inócuos que sejam.
        • Pode tornar-se agressiva e até injusta com os que a rodeiam, chegando a ser indiferente ao sofrimento que lhes provocou.
        • Sente, por vezes, que nenhum sofrimento poderá ser maior que o seu.


        A pessoa em luto, sobretudo se tiver apoio direto de familiares e/ou amigos e de profissionais especializados, pode retomar, aos poucos, a energia de uma vida ativa, redefinindo estratégias e figurando novas perspetivas de futuro.

        Para alguns, esse é, no entanto, um trabalho árduo, cheio de “avanços e recuos”.

        Para outros, passa por uma dissimulação da tristeza, de modo a veicular uma imagem de segurança e confiança para a família (sobretudo quando têm filhos/as pequenos/as) e para os amigos, o que, inevitavelmente, conduz a um maior isolamento e a estados de desamparo.

        Na fase de desorganização domina a saudade.

        A saudade é um sentimento universal, mas com expressões profundas em determinadas culturas (por exemplo, na cultura portuguesa).

        Estas acabam por facilitar a sua permanência constituindo-se em aspeto negativo, já que deixa, em muitos casos, de ser algo transitório para ser persistente. E, enquanto persistir, o processo de luto não pode desenvolver-se de modo saudável.

        Nestes casos, a saudade:

        • É uma recusa da perda: a pessoa recusa-se a abdicar da presença do ente querido, mantendo presente a sua recordação, devidamente suportada por símbolos ou rituais (ex.º manter inalterada uma divisão da casa)
        • Está também ligada à agressividade, uma recusa violenta da realidade da morte por não poder voltar a ter o ente querido. Em casos de homicídio, esta raiva está intensamente ligada ao ódio pelos responsáveis pelo homicídio e ao desejo de vingança.


        Nalguns casos, a manutenção da recordação torna-se uma busca ativa e persistente por parte da pessoa em luto relativamente ao ente querido perdido (símbolos, celebrações, rituais comemorativos, locais, etc.)

        Por vezes, tais atos, muitas vezes de cariz cultural ou religioso, podem facilitar o processo de luto.

        Nestes casos, por vezes o que se busca é a atribuição de novos significados à morte de alguém, especialmente apelando à solidariedade familiar, de amigos e da comunidade em torno da memória da pessoa que faleceu.

        Assim, podem ocorrer liturgias, memoriais, símbolos e rituais como forma de vivência destes novos significados (ex.º plantar uma árvore, fazer um memorial com amigos, etc.).

        De facto, para celebrar a memória das vítimas de atos homicidas, muitas cidades erguem monumentos públicos, que recebem as homenagens dos familiares e amigos das vítimas, ou de pessoas anónimas, em especial no aniversário da sua vitimação.

        Estes atos podem facilitar uma passagem desta Fase de Desorganização à fase seguinte – de Organização.


      • Nesta fase, a dor da perda começa a ser extinta e começa a haver um equilíbrio ao nível da saúde física e psicológica.

        Nesta fase, a pessoa em luto:

        • Sente-se capaz de perspetivar a morte do ente amado, de a refletir, de racionalizar as informações disponíveis e fazer julgamentos sobre diferentes aspetos desta.
        • É também capaz de tratar e resolver problemas complexos.
        • Começa a inserir-se numa multiplicidade de ajustamentos e novas perspetivas, concebendo ativamente novos objetivos para a sua vida.
        • Começa a sentir-se novamente disponível para amar outra pessoa (no caso de ter perdido o marido/mulher, companheiro/companheira, namorado/namorada) e/ou para estabelecer novas relações de amizade.


        Estas alterações podem ser observáveis por familiares e/ou amigos, e/ou por profissionais que tenham acompanhado a pessoa em luto desde a Fase da Crise.

        A lembrança do ente querido deixa de ser uma permanente “dor da falta”, ou uma “dor da ausência”, isto é, aquela saudade persistente e torturada, mas uma memória saudável, que marca no pensamento da pessoa um passado importante, feliz, parte decisiva da sua história e da sua identidade, mas algo perdido e já ultrapassado.

        É uma memória acomodada que não gera instabilidade ou desorganização, mas adaptação e caminho para o futuro sem luto.




      • À semelhança do que acontece nos processos de luto de pessoas adultas, o luto das crianças e dos/as jovens pode ser analisado e observado à luz das fases da crise, de desorganização e de organização.


        Para mais informações sobre como lidar com o luto em crianças e jovens, consulte também o Manual CARONTE e as brochuras destinadas a intervir no luto, para crianças entre os 5 e os 12 anos.


      • Nesta fase, e após a notificação da morte a criança ou o/a jovem pode experimentar sensações de choque, torpor e recusa da realidade.

        O choque da perda tem manifestações tanto ao nível físico como psicológico.

        Entre as alterações físicas, registam-se, geralmente:

        • aumento da frequência cardíaca
        • aumento da tensão muscular
        • maior sudorese
        • secura das mucosas bucais
        • comportamentos de enurese e encoprese
        • mudanças respiratórias, sobretudo inspirações mais curtas e contínuos e profundos suspiros.
        • maior cansaço, como forma de resposta física à aceitação da perda


        Estas reações podem surgir em vagas de apenas alguns momentos ou duram várias horas.

        Em certos casos, as crianças e os/as jovens, pelo contrário, parecem não ter reação à notícia da morte:

        • Continuam a referir-se ao ente querido como estando vivo
        • Perguntam quando é que o ente querido volta, como se a morte fosse uma viagem com regresso (sobretudo entre os 5 e os 8 anos de idade)
        • Continuam a usar o presente do indicativo quando falam da pessoa que faleceu


        É comum que a criança ou o/a jovem manifeste as suas reações direcionadas a alguns aspetos práticos da sua vida: “E agora quem me leva todos os dias à escola?”, “Com quem vou viver?”.

        É comum que as pessoas adultas reportem que, nos dias após a notícia da morte, a criança ou o/a jovem manifeste uma alteração de comportamentos: tão rapidamente está a sorrir ou até aparentemente alheada do luto familiar, como passa a manifestar explosões de fúria, súbitas e fortes, e crises de choro incontrolável.

        No caso de experienciarem o luto por uma situação de homicídio as crianças ou os/as jovens podem temer que a pessoa que matou o seu ente querido venha também matá-las.

        Portanto, a sua insegurança emocional pode manifestar-se em:

        • comportamentos defensivos – ex.º verificar se as portas estão trancadas, dormir vestido/a caso precise de fugir do/a assassino/a…
        • comportamentos de dependência das pessoas adultas – ex.º procurarem colo repetidamente, quererem estar sempre de mão dada, quererem dormir na cama dos pais
          • Como constante necessidade de companhia do/a familiar mais chegado/a
          • Como forma de tentarem evitar um novo luto/uma nova perda

      • Tal como nas pessoas adultas, crianças e jovens tendem a iniciar a fase da desorganização após o cumprimento das exéquias.

        Pode, no entanto, surgir algumas semanas depois, na medida em que tiver demorado a Fase da Crise e dependendo da intensidade que esta teve.


        Na fase da desorganização, e mesmo que se saiba que a morte se deveu a um homicídio e quem é o/a seu/sua potencial autor/a, a criança ou o/a jovem pode experienciar a emergência de sentimentos de revolta ou de raiva.

        Estes sentimentos podem ser direcionados a uma pessoa em específico, contra todas as pessoas adultas em geral ou até “contra o mundo”.

        Apesar de poder ser geradora de outros problemas, esta emergência de sentimentos é uma resposta natural à perda e pode ser um sinal de impulso de sobrevivência emocional.


        Na fase da desorganização, a criança ou o/a jovem pode também experienciar negação, recusa ou descrença relativamente à morte.

        Com efeito, pode ser recorrente a menção à presença da pessoa falecida em sonhos, o que pode ajudar a superar e a assimilar de forma normativa a morte daquela pessoa.

        O recurso à fantasia é, nalgumas crianças, a única forma de aliviar a dor da perda.

        Pensar na pessoa, desejar tê-la de volta, sonhar com isso, apesar de poder ser visto pelas pessoas adultas como problemático, pode ser, na verdade, um espaço reconfortante e apaziguador para crianças e jovens.

        A interação com outras crianças ou jovens pode sofrer alterações na fase da desorganização.

        É possível que, neste período, as crianças e os/as jovens possam preferir atividades mais solitárias.

        A presença atenta e delicada de uma pessoa adulta poderá auxiliar no ajustamento das brincadeiras com outras crianças, muito embora tal possa ser complicado para as pessoas adultas que também estão a viver o seu próprio luto e, simultaneamente, a dar resposta às necessidades básicas da criança ou do/a jovem, restando-lhes pouca energia para brincar ou conversar com eles/as.


        Na fase da desorganização, é possível que crianças e jovens possam experienciar ansiedade e regressão nos comportamentos que já estavam adquiridos, como por exemplo:

        • Manifestar dificuldades na alimentação (alimentar-se a menos ou a mais)
        • Roer as unhas
        • Manifestar perturbações do sono ou pesadelos
        • Vivenciar aumento de reações alérgicas (eczema, asma)
        • Enurese/Encoprese


        Em crianças mais novas, ainda se podem verificar comportamentos como:

        • Chuchar no dedo
        • Embalar-se de um lado para o outro
        • Desejo de serem abraçadas

      • Esta é a fase da aceitação, e pode ser descrita como um conflito entre “deixar-se arrastar pelos dias”, numa tristeza instalada e quotidiana, e “o desejo de manter-se firme e combativo”.

        Esta tensão entre a memória de um passado conhecido e a perspetiva de um futuro desconhecido é o eixo determinante para a resolução do processo de luto e o encerramento do Ciclo.

        A aceitação é o ponto fulcral de um processo de luto numa criança ou num/a jovem; é nela que se ajusta com sucesso a realidade da perda.

        A criança ou o/a jovem aceita que não vai esquecer o ente querido, mas transformará os sentimentos em recordação, numa memória gratificante de alguém que se amou, sem que isso signifique trair a memória daquela pessoa.

        No entanto, poderão existir:

        • Debilidades do sistema imunitário, com manifestações de constipação, dores de garganta, estômago e fadiga geral
        • Manutenção do medo geral da morte – por se aperceber que a morte é um acontecimento definitivo e inevitável a todas as pessoas; pode temer de forma intensa que outro ente querido morra, revivendo, por isso, sucessivamente, a perda que sofreu.

    • Apesar de o processo de luto ser pessoal, a morte de uma pessoa provoca a existência de vários processos de luto atendendo a quem uma pessoa pode ter diferentes relações na sua vida: familiares, amorosas, de amizade, laborais, etc.

      Assim, os processos de luto, ainda que pessoais, dificilmente correm sozinhos ou desconectados dos demais processos.

      Portanto, esta conexão adensa a sua complexidade: de uns processos de luto para os outros pode haver permuta, reciprocidade, ambiguidade, rivalidade e uma grande complexidade de sentimentos.

      Como também já foi sendo dito, a família pode sofrer um abalo estrutural significativo pelo impacto que a perda tem em cada um dos elementos, podendo existir até ruturas e desagregações.

      Diversos fatores podem estar na origem desta degradação da estrutura familiar:

      A idade da pessoa que morreu

      • “Aceita-se” mais facilmente a morte de alguém com mais idade do que de alguém mais novo.
      • A morte de pessoas em idade avançada é considerada uma “morte natural”, pois, de certo modo, “viveram até ao limite”, ou “viveram muito”. A morte de um familiar idoso é mais assimilável pela estrutura da própria família: esta perspetiva-a como algo inevitável e que acontece para “dar lugar a outros”.
      • A morte na infância, juventude ou, ainda que na idade adulta, de alguém com uma vida ativa, é vista como uma rutura no continuum que é a vida, podendo ser considerada até antinatura, por ser desejável que estas pessoas vivam até serem idosas.

      A idade das pessoas em luto
      • As crianças e jovens tenderão a ter dificuldades de compreensão da morte de um familiar, mesmo que este fosse uma pessoa idosa.
      • As pessoas adultas podem “projetar-se” na morte de um familiar da mesma idade, ou ainda que mais velho ou mais novo, vislumbrando nela a imagem da que poderá, um dia, vir a ser a sua própria morte

      O papel que a pessoa que morreu desempenhava na hierarquia familiar, em particular o parentesco

      • Os/as filhos/as aceitam com muita dificuldade a morte dos seus pais, em especial se ainda forem crianças e jovens, e/ou estejam a viver em sua casa. Ao faltar o pai ou a mãe, ou ambos, a família, tal como estava “classicamente” formada (pai, mãe e filhos), sofre uma fragmentação.
      • Os pais que perderam um filho, ou filhos, também terão dificuldade em manter a família a salvo da desintegração. Muitos perdem o sentido da vida familiar e conjugal, sobretudo se não houver outros filhos e se havia problemas de relacionamento anteriores ao luto.

      O grau de poder que exercia a pessoa que morreu e o seu papel na tomada de decisões/gestão da vida familiar/providência económica, nomeadamente:

      • Se a pessoa que morreu era a que mais contribuía financeiramente para o agregado familiar
      • Se a pessoa que morreu era a pessoa que tinha mais capacidade de gestão para governar a vida doméstica com eficiência, ainda que com menos poder financeiro
      • Quanto à dificuldade em definir os papéis (notável sobretudo na organização de famílias mais conservadoras) e o exercício dos mesmos – dificuldades em definir substitutos ou transferências de poder.

      O envolvimento afetivo da pessoa que faleceu com os demais membros da família.

      Se a pessoa que morreu era especialmente expressiva nas manifestações de afeto, mais a sua ausência será notada nas dinâmicas familiares.

      A estrutura familiar ressente-se necessariamente, pois, com a pessoa, desapareceu um dos eixos estruturais, que suportava, dinamizava e revitalizava as relações com afeto.

      Isto acontece sobretudo na perda de pessoas que eram especialmente expansivas, compreensivas e gregárias no seio da sua família.


      Cada família corresponde a um perfil único.

      Para além da singularidade de cada pessoa que a integra, há uma série mais ou menos extensa de fatores que a tornam complexa e diferente:

      • o número e as idades dos membros que a compõem;
      • a sua história passada;
      • as suas condições habitacionais e sociais;
      • a religião que professam;
      • a sua diferenciação académica;
      • os seus gostos culturais;
      • o seu nível socioeconómico
      • ...


      Apesar das diferenças próprias de cada uma, é possível classificar as semelhanças que têm entre si quanto à capacidade de aceitar, compreender e gerir os sentimentos dos seus membros.

      Não esgotando outras possíveis classificações, podem ser divididas em dois grandes grupos, extremos na sua maneira de ser e de estar.

      As famílias que não expressam abertamente os seus sentimentos:

      • Não costumam permitir tolerância para com os membros no que diz respeito ao que não é visível (ex.º: sentimentos)
      • Tendem a focar-se em aspetos “palpáveis” de um problema, ignorando ou desprezando os que não têm uma expressão visível (ex.º: menosprezar ou ignorar manifestações de problemas de saúde mental)
      • Tendem a não valorizar aspetos como a tristeza ou uma angústia frequente, especialmente se não estiverem relacionadas com algo imediato ou concreto (ex.º: ficar desempregado, ser reprovado num exame)
      • Referem-se aos sentimentos negativos numa perspetiva pragmática e esquiva, como sendo “algo que já passou”.
      • Não promovem a partilha entre os elementos da família sobre estes conteúdos menos visíveis – o que pode gerar que, perante uma situação de perturbação emocional de algum dos elementos, a tendência possa ser a de reprimir esse sentimento, procurando que ninguém se aperceba do mesmo.
      • Em caso de luto, não tendem a promover o diálogo sobre os sentimentos e as emoções negativas que estão a viver.
      • A própria maneira de ser e de estar dos elementos pauta-se pelo império do silêncio geral sobre a perda e sobre a pessoa que morreu, pelo afastamento de toda e qualquer referência à pessoa que morreu (roupas, objetos, fotografias, em conversas…) – como se se gerasse um tabu sobre o tema, de tal forma que parece que aquela pessoa nunca existiu.
      • Nestes casos, pode dizer-se que chegam a viver um luto patológico: os diferentes elementos da família agem entre si numa ótica de recusa de que aquela pessoa faleceu. A estrutura familiar habitual não integra a ausência daquela pessoa. Permanece igual o papel de cada membro.


      As famílias que expressam abertamente os seus sentimentos:

      • Têm por hábito integrar no seu quotidiano a partilha de sentimentos e emoções – positivas ou negativas
      • Na sequência da morte de uma pessoa, não tende a existir degradação da estrutura familiar, não obstante a dor que vivenciam. Tal pode dever-se à capacidade de partilhar, de forma sincera e franca, o que sente cada um dos seus membros
      • Tende a existir uma entreajuda entre os diferentes intervenientes, promovendo as adaptações necessárias após a perda, o que facilita o desenvolvimento salutar do processo de luto.
      • O papel desempenhado pela pessoa que morreu poderá ser desempenhado por outro membro, que procurará responder a novos desafios.
      • Os processos de luto de cada membro serão facilitados pela reação conjunta.
      • Geralmente acolhem bem a ajuda de amigos e de profissionais e até a procuram, interessados em receber o seu apoio.



      Outro aspeto importante para as famílias em luto pode ser a da partilha dos bens patrimoniais do ente amado ou a distribuição do valor obtido por indemnização.

      Os bens de um falecido são geralmente herdados pelos seus familiares, através de uma escritura de habilitação de herdeiros e/ou em cumprimento das disposições testamentárias.

      Os herdeiros fazem, então, uma partilha dos bens móveis e imóveis, depois de chegarem a vários acordos entre si.

      Frequentemente, o inventário dos bens não é uma tarefa fácil e os acordos são muito difíceis, originando grandes tensões e até ruturas na família.

      A indemnização recebida pela morte do ente amado, seja privada ou concedida pelo Estado, pode originar também desentendimentos dentro da família, cujos membros entram em disputa pelo valor, mesmo quando há critérios definidos pelas entidades que a atribuem quanto aos graus de parentesco daqueles em relação à pessoa falecida.

      Em alguns casos, pode começar a verificar-se um crescendo de conflitos, engrossado por incompatibilidades relacionais anteriores.


    • Por vezes a par ou até mais do que a família, os/as amigos/as são de fulcral importância na vida para a pessoa em luto, por vezes por força do papel que tinham junto da pessoa que faleceu.

      É comum verificar-se que, na Fase da Crise, e, especialmente logo após a notícia da morte e até após o momento das exéquias, os/as amigos/as da pessoa em luto (que, por vezes, são amigos/as comuns) se dirijam a esta reforçando a sua solidariedade, apoio incondicional e compromisso – “conta comigo”, “os amigos são para os bons e maus momentos”.

      Nesta fase, caso a pessoa em luto contacte algum/a amigo/a, obterá, sem hesitações, o seu apoio.

      Serão, certamente, peça fundamental neste processo penoso, dirimindo eventuais momentos de solidão, acolhendo confidências, facilitando a expressão de sentimentos e auxiliando na racionalização de emoções em ocasiões mais críticas.

      Não obstante, por vezes nem todos/as os/as amigos/as prosseguem a sua presença no processo, ausentando-se mais ou menos da vida da pessoa em luto, por múltiplas razões.

      Na Fase da Desorganização, isto torna-se evidente – a sua ausência pesa e agrava o processo de luto, porque, agregada à perda do ente amado, há também a perda de amigos/as.

      Na Fase da Organização, alguns/algumas desses/as amigos/as já nem são considerados como tal e, num processo de luto saudável, outros/as amigos/as vão surgindo.

      Novas relações de amizade serão, aliás, sinal de que o processo de luto está a desenvolver-se adequadamente e, organizando uma nova vida, a pessoa em luto foi capaz de conquistar, ou aceitar, novas pessoas na sua rede relacional.

      Porque ocorre a ausência das pessoas amigas?

      Por vezes, a pessoa em luto percebe, em muitos casos, que foi ela própria a afastar-se durante o processo:

      • porque estava sob o poder das suas fortes emoções, de uma grande tristeza, de uma tendência para o silêncio e para o isolamento
      • porque os/as amigos/as seguiram a sua vida quotidiana, plena de afazeres e de obrigações profissionais e familiares, deixando de estar tão presentes
      • porque assim o quis, agindo de forma consciente e defensiva: pode tornar-se muito angustiante reunir, ou mesmo contactar por telefone, com pessoas que sejam uma permanente lembrança de um mundo que para a pessoa em luto acabou com a perda do ente querido.

      Isto não significará que a pessoa em luto deseje aos seus amigos a infelicidade que vivencia com o processo.

      Por seu lado, as pessoas amigas, não entendendo a reação de constante desprendimento do/a amigo/a enlutado/a, e depois de várias tentativas de aproximação, acabam por desistir, por vezes magoados/as e até zangados/as.

      Se é amigo/a de uma pessoa em luto na sequência de uma situação de crime, e precisa de ajuda, contacte-nos.


    • O processo de luto pode ser realmente muito doloroso. Pode alterar, com grande incisão, a maioria das conceções e dos comportamentos de uma pessoa. Perturba-a forçosamente, desviando-a, de modo acentuado, de todos os seus padrões normais de funcionamento, aos níveis pessoal, familiar, social e profissional.

      No entanto, o luto, em si, não é uma doença psíquica.

      Ou seja, não é sinónimo de depressão psicológica ou de outras manifestações patológicas do foro psíquico.

      Ainda assim, certos aspetos observáveis num processo de luto possibilitam a deteção de um Luto Patológico.



      Luto Negado

      Um deles é o Luto Negado durante muito tempo, com ausência de expressões de luto, logo na Fase da Crise.

      A pessoa simplesmente não admite que a morte ocorreu. Age como se esta nunca tivesse sido, sequer, noticiada.

      Não admitindo a morte como um acontecimento histórico, a pessoa não conseguirá desenvolver um processo de luto saudável, uma vez que se recusa a iniciá-lo.

      A pessoa, com enorme dificuldade em aceitar a realidade da perda, procura negar o que é inegável.

      Para isso desenvolve comportamentos que colocam a morte do ente amado à margem do decurso quotidiano (por exemplo, não integra no seu discurso a informação de que ele morreu, falando como se ele ainda estivesse vivo; não participa nas exéquias; não trata de assuntos legais relacionados com sucessões e partilhas; não faz qualquer alteração nos seus hábitos diários; mantém todos os pertences do falecido exatamente como se ele vivesse e fosse chegar a todo o momento para os usar).

      Tudo continua a decorrer numa aparência de normalidade, o que chega a chocar familiares e/ou amigos, que julgam alguns destes comportamentos uma demonstração de frieza, de falta de afeto e de respeito para com a memória do ente que morreu. Esta dificuldade é mais expressiva em situações de morte inesperada, como a provocada por homicídio.


      Luto Crónico

      Segundo alguns autores, alguns casos de processos de luto são, de facto, irresolúveis, motivo pelo qual também por vezes se fale em “Luto Crónico”.

      Mês após mês, ano após ano, o luto arrasta-se de fase para fase, sem que se possa aplicar-lhes, numa leitura linear, o Ciclo do Luto.

      Alguns aspetos observáveis na pessoa em luto podem delinear um esboço da sua tendência para desenvolver um Luto Crónico:

      • Um abrupto e intenso processo de luto começado apenas alguns meses depois da notícia da morte, sem que, até aí, não houvesse manifestações de luto, ou houvesse poucas;
      • Uma perturbação aguda, observável num período de três a seis semanas depois da receção da notícia da morte, com manifestações de choro e contínuo lamentar; profunda angústia; raiva persistente; culpabilização pronunciada; e autorrecriminação;
      • Quando não passou à Fase da Organização do Ciclo do Luto cerca de um ano após a morte do ente amado;
      • Tensão permanente, incapacidade de repousar e intensa saudade, mesmo depois das primeiras semanas após a receção da notícia;
      • O sentimento de que ninguém pode compreender a sua dor e/ou ajudá-la a sair do seu luto, mesmo após várias semanas após a receção da notícia.

      A avaliação das circunstâncias particulares em que um processo de luto se transforma em doença parece constituir a solução mais adequada para determinar a atitude a ter, por familiares e/ou amigos, ou por profissionais, para apoiar devidamente a pessoa enlutada.


      Luto e Depressão

      É muito frequente, no entanto, que, em alguns processos de luto, se manifeste a Depressão. Esta pode comprometer o desenvolvimento saudável do processo, apresentando-se, com isto, o risco de se estabelecer um Luto Patológico.

      Isto pode acontecer sobretudo com pessoas portadoras de determinadas predisposições para a depressão (como, por exemplo, a existência de um percurso pessoal de vida conturbado já antes da morte do ente amado; a hereditariedade; a doença bipolar, etc.) ou que já anteriormente tinham sofrido depressões.

      Nos casos de luto causado pela morte de um ente amado num homicídio, a probabilidade de se desenvolver uma depressão é muito maior que noutros casos de perda por morte.

      Uma depressão pode comprometer o desenvolvimento “normal” do processo, fazendo a pessoa enlutada estancar em determinadas fases do Ciclo de Luto, acabando por suscitar o Luto Patológico.

      Alguns fatores de risco para a formação de um luto patológico podem ser:

      • Uma morte inesperada, como a de um filho ou do cônjuge ou companheiro;
      • Uma morte que deu lugar a terríveis transformações circunstanciais;
      • Uma morte violenta
      • Isolamento social
      • Excessiva dependência em relação ao ente querido

      Estudos recentes têm referido taxas consideráveis de lutos patológicos verificados em familiares de vítimas de homicídio, após vários anos.

      A Depressão caracteriza-se, sobretudo, por progressivas alterações na saúde mental. A pessoa pode sofrer:

      • humor diminuído ou oscilante
      • falta de energia
      • melancolia
      • baixa autoestima
      • perturbações do sono
      • certa incapacidade para efetuar as tarefas diárias, das mais simples às mais complexas
      • isolamento social – a pessoa tende a sentir-se “desenquadrada” e “diferente” dos grupos

      A depressão pode estar acompanhada de sintomas de ansiedade: quer seja motivada por acontecimentos concretos, ou por sensações muito difusas, a ansiedade limita bastante o bem-estar.

      As perturbações de pânico, que são manifestações extremas de ansiedade, caracterizam-se pelo desenvolvimento de ataques inesperados de pânico intenso quando a pessoa é colocada em determinadas situações particulares, ou devido ao medo de experimentar novos ataques (quando anteriormente sofridos).

      Os ataques de pânico podem ocorrer quando enfrenta situações especialmente difíceis ou cruciais (por exemplo, no ato de reconhecimento do cadáver do ente amado; ou encontrar o principal suspeito por acaso; ir a tribunal testemunhar; ou prestar um depoimento no âmbito do processo de investigação criminal).

      No entanto, podem também ocorrer em situações comuns, nas quais supunha nem ser possível sucederem, por serem, à partida, pouco suscetíveis de causar ansiedade.

      Num ataque de pânico, a pessoa:

      • Não consegue controlar uma sensação de medo, emergente, rápido e violento.
      • Tem dificuldade em respirar, sentindo tensão e constrangimento nos músculos do tórax.
      • Verifica um aumento do ritmo cardíaco, fazendo com que a pessoa possa pensar tratar-se de um enfarte.
      • Sente dificuldade em ter um raciocínio lógico, bem como em ter noção do tempo e do espaço.
      • Tem dificuldade (ou mesmo experimentar impedimento), em expressar-se verbalmente, não conseguindo pronunciar as palavras, ou construir frases longas (até porque não está a usufruir de uma adequada respiração).
      • Sente, durante o ataque que está entregue a uma espécie de manifestação física superior às suas forças, dada inexplicavelmente em contextos e momentos que, em alguns casos, já eram habituais e nos quais nunca tivera problemas de desempenho.
      • Após o ataque, mantém-se a vigência da ansiedade, sentindo-se os seus efeitos negativos no corpo (por exemplo, tendo dores de cabeça, cansaço e dores musculares) por vários dias, durante os quais se sente prostrada.


      A Depressão pode ser também acompanhada por ideações suicidas, podendo o doente tentar várias vezes matar-se ou podendo mesmo consegui-lo. Em muitos casos, expressa tal intenção, ou “tentação”.

      É importante que seja tomado a sério por quem o escuta. Esta confissão pode ser mais que um “aviso”: pode ser um implícito pedido de ajuda. Alguns suicidas, no entanto, morrem num dia e num contexto em que seria muito difícil alguém perceber que iam cometer suicídio.

      Para uma pessoa deprimida, o suicídio pode ser perspetivado como a solução imediata para uma dor que já não suporta mais (ou para uma vida que já não deseja enfrentar sem o ente amado, em casos de deprimidos em luto).

      As ideações suicidas podem surgir sobretudo no contexto de uma depressão relacionada com a perda de um ente amado que foi vítima de homicídio, ou de homicídio, podendo a pessoa em luto nunca antes ter pensado em suicidar-se.


      Se vivencia ou conhece alguém que vivencia uma situação de luto patológico , é importante pedir ajuda.

      Em caso de ideação suicida que esteja a ocorrer, deverá ser contactado o 112 – Número Nacional de Emergência Médica.


    • A morte de um/a filho/a é muitas vezes descrita como sendo antinatura, independentemente da idade do/a filho/a naquele momento ou da existência de uma fratria.

      Os pais experienciam um sofrimento dilacerante, extraordinariamente intenso – os/as filhos/as são muitas vezes vistos como a continuidade dos pais, a sua projeção no futuro.

      Por isso, o processo de luto nestes casos é complexo, por vezes com o desenvolvimento de manifestações menos comuns.

      O acontecimento da perda de um filho pode, pois, arruinar o equilíbrio emocional e oferece o grande risco do desenvolvimento de patologias do foro psiquiátrico.

      Ainda que o processo de luto evolua linearmente, dentro das fases do ciclo de luto (crise-desorganização-organização), algumas manifestações dolorosas, como a tristeza, a culpa, a ansiedade e o medo podem permanecer para toda a vida; podem tornar-se menos frequentes mas podem nunca desaparecer na sua totalidade.

      Quando se está perante um luto relativo a uma criança, a sua morte ganha um outro significado.

      Em torno da criança foi feito um investimento – afetivo, familiar, social – que agora é perdido.

      Para os pais, é como se a idealização de felicidade e realização fosse desestabilizado.

      Com efeito, muitos casais não suportam o desabamento sofrido nesta perda, acabando por separar-se, como se a perda permanecesse entre eles.

      Quando tal não sucede, é possível que ambos os pais desenvolvam estratégias de sobrevivência conjunta – na sua individualidade – de modo a enfrentarem-na enquanto casal.

      Tal sucederá particularmente e mais rapidamente nos casos em que existem outros filhos, aos quais é preciso dar atenção e acompanhar o processo de luto que vivenciam pela perda de um/a irmão/irmã.

      Diferente é a situação dos pais separados ou divorciados à data da morte da criança.

      Durante a Fase da Crise, geralmente mantêm-se próximos, sendo comum haver manifestações de grande empatia entre ambos, como que “um reencontro” na perda do filho comum.

      Alguns chegam mesmo a tentar estabelecer uma nova relação conjugal, como se esta pudesse recuperar os vínculos afetivos com o filho perdido.

      Mais comum, no entanto, é haver entre ambos momentos de conflituosidade e agressividade, que dependerão, em parte, da história da sua relação conjugal passada e com a sua relação presente.

      A atribuição de culpa da morte da criança ao que tinha sobre ela tutela direta é, por muitas vezes, violenta.

      Também é muito comum a responsabilização recíproca daquela perda – mais comum que nos pais que estavam juntos, ou casados. O afrontamento pode originar, quer num, quer noutro, danos psicológicos irreparáveis, complicando os seus processos de luto.


      Importa, em todo este processo, salvaguardar e orientar os pais para o facto de que o/a filho/a que perderam é insubstituível. Nenhum/a outro/a, quer já existente ou não, pode ocupar o seu lugar.

      No entanto, podem ocorrer comentários que inspiram nestes pais uma profunda dor e que, a todo o custo, devem ser evitados:

      • “Era pior se vos tivesse morrido um filho único”
      • “Sempre têm outros filhos”
      • “Tens de engravidar rápido para esqueceres o que se passou”
      • “Quando tiveres outro bebé vai ser mais fácil”



      O luto dos/as irmãos/irmãs da criança

      No processo de luto vivenciado pelos pais, não podem esquecer-se os/as irmãos/irmãs, muitas vezes crianças pequenas ou adolescentes.

      Com a perda do/a irmão/irmã, a criança ou o/a jovem espera dos pais que “arrumem” devidamente os papéis e que a reorganização familiar se suceda.

      Por vezes, os/as irmãos/irmãs sobrevivos/as podem ter menos atenção e receberem menos cuidados, especialmente se as pessoas adultas estiverem a vivenciar um processo de luto particularmente “não-normativo”.

      Quando estas crianças são mais novas, os pais creem que então não são capazes de compreender e lidar com a notícia da morte, fantasiando durante muito tempo, dizendo que o/a irmão/irmã “foi fazer uma viagem” ou que “foi para uma escola muito longe daqui”.

      Estas histórias, para além de serem perniciosas por não corresponderem à verdade, podem potenciar a ansiedade das crianças, já que o/a irmão/irmã não mais voltará.

      Em relação aos outros filhos, os pais podem também assumir uma atitude de constante vigilância.

      O pavor de sofrer uma nova perda, com a morte de um segundo filho, pode levá-los a uma proteção tão estreita que podem tornar-se asfixiadores da própria liberdade e do saudável desenvolvimento das crianças.

      Isto pode comprometer a vida social destes/as, sobretudo ao chegar à adolescência.


  • O trauma psicológico pode definir-se como um estado psíquico ou comportamental alterado que resulta do stress mental ou, ainda, de uma lesão física.

    Diversos acontecimentos comportam simultaneamente o trauma físico e o trauma psicológico, como aqueles que convulsionam a vida de uma população (por exemplo, um terramoto, com destruição e explosão de edifícios; um homicídio) ou de alguém em particular (por exemplo, a perda de um ente amado num acidente de viação).

    Outras respostas traumáticas podem ser desencadeadas por uma série de acontecimentos, diversos e nem sempre relacionados com a prática de crime (por exemplo, uma fratura óssea, uma intervenção cirúrgica ou ataque por um animal).

    O trauma, enquanto resultado de um impacto negativo, ou da experiência coerciva de determinados acontecimentos negativos, requer uma reparação das estruturas da pessoa que o sofre.

    Se estas não forem reparadas, os efeitos traumáticos persistirão ao longo do tempo. Uma pessoa traumatizada vive em sofrimento, sentindo-se insegura e dependente.

    Experimenta, então, sérias dificuldades numa multiplicidade de áreas da sua vida: nas relações pessoais e/ou afetivas, na família, no emprego, na estabilidade económica, na conservação da saúde física e mental, etc.

    O trauma implica o desequilíbrio persistente na existência da pessoa.

    Os diagnósticos são geralmente dois – a Perturbação Aguda de Stress (PAS) ou a Perturbação Pós-Stress Traumático (PPST).

    Ambos se diferenciam em intensidade em duração.

    Ambos implicam sintomas de evitamento, ativação e intrusão.

    • O evitamento manifesta-se pelo início de depressão, por um embotamento emocional ou tentativa de pensar no acontecimento traumático vivido.
    • A ativação manifesta-se pela ansiedade, pelo aumento do ritmo cardíaco, pela ocorrência de suores e pelo aumento considerável da tensão arterial.
    • A intrusão implica a ocorrência de pensamentos indesejados, imagens intrusivas ou flashbacks, e de pesadelos.

    Quando cada uma destas três áreas de sintomas está presente mais de quatro semanas, estamos diante de uma PPST.

    Quando existem sintomas das três áreas num período inferior a quatro semanas, estamos diante de uma PAS.


    Os efeitos do stress traumático são muitos. Eis alguns:

    • Dificuldade de concentração;
    • Diminuição da expressão emocional;
    • Disrupção das relações interpessoais;
    • Problemas de saúde mental devidos a pensamentos intrusivos;
    • Respostas de alarme;
    • Pesadelos;
    • Uma maior procura dos serviços de saúde.


    Quando o trauma é causado por ação humana – o que é o caso de um homicídio ou de um ato terrorista – os efeitos podem ser devastadores e a sua duração é mais extensa que o trauma causado por acontecimentos ligados à natureza (por exemplo, uma inundação) ou ao acaso (por exemplo, um acidente rodoviário causado pelo rebentamento de um pneu).

    Embora seja falsa a ideia generalizada de que todos os sobreviventes de acontecimentos potencialmente traumáticos ficam traumatizados, com efeito, podem ser apontadas algumas variáveis que propiciam o trauma:

    • o acontecimento ter ocorrido às mãos de outra pessoa
    • a ação ter sido intencional
    • o/a seu/sua autor/a ser uma pessoa conhecida e/ou de confiança, ou da família
    • o período de decorrido desde o acontecimento
    • uma fraca rede social
    • o facto de o acontecimento ter alterado a vocação ou o papel desempenhado pela pessoa na família ou na sociedade
    • o acontecimento ter ocorrido num local aconchegado ou seguro
    • a sobrevivência ao acontecimento ser considerada como fonte de orgulho pessoal e de reconhecimento social; ou, pelo, contrário, ser fonte de humilhação;
    • a pessoa ter sofrido anteriormente um trauma semelhante (no passado)


    Se suspeita estar a vivenciar trauma psicológico decorrente de um crime, ou conhece alguém nessa situação, contacte-nos.


  • Um homicídio ou um ato terrorista origina sempre um grande interesse por parte dos Órgãos de Comunicação Social.

    Frequentemente, no local, os/as jornalistas são das primeiras testemunhas das operações ali desenvolvidas, procurando entrevistar os profissionais responsáveis e familiares e/ou amigos das vítimas que acorrem ao local (ou que já ali se encontravam).

    Esta tentativa pode ser vista, por algumas pessoas, como aproveitamento da fragilidade das famílias e/ou amigo/as num momento tão crítico.

    No entanto, um homicídio é um acontecimento importante para o conhecimento público.

    A Comunicação Social tem, pois, um papel muito relevante, devendo haver uma verdadeira colaboração entre jornalistas e profissionais envolvidos/as nas operações.

    Há situações em que as autoridades competentes fazem um comunicado oficial sobre o homicídio e/ou organizam uma conferência de imprensa, na qual o mesmo comunicado é feito, com ou sem a possibilidade de os jornalistas fazerem perguntas sobre determinados detalhes.

    Neste comunicado, ou na conferência de imprensa, são veiculadas determinadas informações, criteriosamente selecionadas e respeitadoras do luto de familiares e/ou dos amigos das vítimas.

    Tanto o comunicado, como a conferência de imprensa são muito importantes, por salvaguardarem os familiares e/ou os amigos das vítimas, poupando-os minimamente à exposição da sua dor, da sua fragilidade e do seu luto.

    No entanto, não são raras as vezes em que a exploração do acontecimento é feita pelos jornalistas muito além do que as autoridades julgaram ser sensato comunicar. Dependendo dos Órgãos de Comunicação Social e de cada jornalista em concreto, a abordagem do tema pode ser (ou não) intrusiva e ofensiva para os familiares e/ou amigos das vítimas.

    Em alguns casos, a exploração mediática toca aspetos delicados da biografia das vítimas.

    Noutros, implica a fotografia do local do homicídio (por exemplo, com sangue sobre o chão); do funeral das vítimas; ou mesmo dos seus cadáveres, o que horroriza os seus familiares e/ou amigos, que se deparam com estas imagens potencialmente traumáticas.

    A posse destas imagens em arquivo permite aos meios de Comunicação o seu uso posterior, sempre que quiserem noticiar algum desenvolvimento no processo-crime ou ainda quando quiserem elaborar determinadas peças sobre o homicídio.

    Familiares e/ou amigos das vítimas ficam, assim, sujeitados à possibilidade de reverem tais imagens, em qualquer data futura (mesmo anos depois), sofrendo a exposição pública da sua perda. Não raras vezes, estas imagens desencadeiam respostas traumáticas, sobretudo por serem inesperadas e inevitáveis.

    Legalmente, nos termos do Estatuto de Vítima (Lei 130/2015, de 04 de setembro) e do Código de Processo Penal Português, mesmo que se trate de um homicídio consumado, quando as vítimas são crianças ou outras pessoas especialmente vulneráveis, – o que inclui também familiares mais próximos de uma eventual vítima mortal - os órgãos de comunicação social não podem identificar, nem transmitir elementos, sons ou imagens que permitam a sua identificação, sob pena de os seus agentes incorrerem na prática de crime de desobediência.

    No entanto, os órgãos de comunicação social podem relatar o conteúdo dos atos públicos do processo penal relativo ao crime em causa.