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Cumpriu o Estado Português a Directiva das Vítimas de Crime?

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Terminou no dia 16 de Novembro o prazo para a implementação da Directiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade. Com esta Directiva, que confere à vítima de crime uma carta de direitos basilares que deverão constar dos ordenamentos jurídicos nacionais e ser incorporados nas práticas dos sistemas de justiça, a União Europeia quis dar um claro sinal de qual o caminho que pretende ver trilhado, face a um cenário estimado de cerca de 75 milhões de vítimas por ano no espaço europeu.

Em Portugal, esta Directiva foi transposta através da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro: o denominado Estatuto da Vítima de Crime. Não pode deixar de lamentar-se o facto de este normativo ter resultado de uma Proposta de Lei apresentada pelo Governo de Portugal já na recta final do prazo para a implementação da Directiva e, sobretudo, que a redacção daquela proposta não tivesse sido precedida do necessário debate ou consulta que permitisse uma discussão alargada em torno de um tema que, para além da importância de que se reveste para os cidadãos vítimas de ilícitos de natureza penal, pode produzir um impacto não despiciendo não só no nosso sistema de justiça penal mas também nos paradigmas de actuação dos operadores judiciários e policiais.

Acresce que a Proposta de Lei foi levada à Assembleia da República quase no fim da sessão legislativa, diluída no meio de mais de seis dezenas de iniciativas, pelo que o tempo e atenção que lhe foram dedicados em sede de debate na especialidade ficaram muito aquém do necessário.

Para além disso, transpor efectivamente a Directiva 2012/29/UE implica ir muito para além de uma intervenção legislativa, exigindo-se um esforço planeado e coordenado ao nível da adopção de estratégias tendentes a garantir as condições práticas para o exercício efectivo por parte das vítimas de crime dos seus direitos, mas também ao nível dos procedimentos e formação dos diversos operadores.

No entender da APAV, o Estatuto da Vítima de Crime padece de quatro “pecados originais”:

–       uma sistemática confusa e, nalguns aspectos, incoerente: no entendimento da APAV e de quase todas as outras entidades que se pronunciaram sobre a matéria, o Estatuto da Vítima de Crime deveria ter sido integralmente inserido no quadro legislativo já existente, e não consagrado através de (mais uma) lei avulsa;

–       um grau de concretização muito aquém do que seria desejável em várias matérias: são vários os exemplos de direitos cuja transposição é puramente formal, nada trazendo de novo à situação das vítimas de crimes em Portugal;

–       a omissão pura e simples de direitos estatuídos na Directiva, designadamente em sede de informação, acesso a serviços de apoio, interpretação e tradução, indemnização e justiça restaurativa; e

–       a não compreensão daquilo que se pretende em matéria de protecção e, designadamente, no que concerne às vítimas especialmente vulneráveis ou, na terminologia – mais correcta – da Directiva, vítimas com necessidades especiais de protecção.

É entendimento da APAV que não foram adoptadas em Portugal as disposições necessárias e adequadas ao cumprimento da Directiva, motivo pelo qual o Estado Português poderá vir a ser sancionado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.


A APAV propõe:
25 Medidas da APAV para um Plano dos Direitos das Vítimas de Crime em Portugal (PDF)