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PÚBLICO | Violência doméstica: Governo planeia alargar prazo de acolhimento de vítimas mais vulneráveis

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Acolhimento de emergência de pessoas mais vulneráveis por factores como idade, doença mental, deficiência, identidade de género poderá passar de um mês para nove, no máximo.

A proposta está pronta para ir a Conselho de Ministros: deverá passar para nove meses a duração máxima do acolhimento de emergência de vítimas de violência doméstica com especial vulnerabilidade em função da idade, da capacidade, da saúde mental, da orientação sexual, da identidade e da expressão de género.

As estruturas de emergência destinam-se a acolher vítimas de violência doméstica numa situação aflitiva, acautelando condições de segurança e prestando apoio psicológico e social. Prevê-se que este acolhimento, focado na gestão de crise, não vá além dos 15 dias – um mês, no máximo. A rede nacional de apoio a vítimas de violência doméstica integra também casas-abrigo. E estas é que estão pensadas para, num prazo de seis meses prorrogáveis por outros seis, ajudar as vítimas a “desenvolver aptidões pessoais, profissionais e sociais”

Há um percurso expectável. Se ao fim de um mês em acolhimento de emergência está mais estabilizada mas continua a precisar de protecção e de ajuda para recomeçar, a vítima deve passar para acolhimento de longa duração, onde poderá abraçar um plano de autonomização. Pode nem ser necessário mudar de sítio. Acontece dentro da mesma estrutura haver vagas de emergência e vagas de longa duração.

“A criação de condições de segurança e de apoio durante o acolhimento de emergência que respondam à especificidade de vítimas de vulnerabilidade acrescida, bem como a avaliação das suas necessidades concretas, frequentemente não se coaduna com os curtos prazos actualmente consagrados para a duração deste acolhimento”, lê-se na proposta. Este acolhimento deverá ter “a duração de três meses, prorrogável, no máximo, por dois períodos de tempo iguais, atendendo à especificidade da situação das vítimas, mediante parecer prévio do organismo da Administração Pública responsável pela área da cidadania e da igualdade de género, com base em requerimento fundamentado do/a responsável técnico/a da resposta de acolhimento de emergência”.

Os dados oficiais, que constam no portal da Comissão Nacional para a Cidadania e a Igualdade de Género, nada dizem sobre essas características geradoras de vulnerabilidade. Limitam-se a separar as vítimas adultas dos filhos que as acompanham: no ano passado, as estruturas de emergência acolheram 1193 com 874 filhos (menores de idade ou maiores com deficiência) e as casas-abrigo 789 com 760 filhos. A rede nacional, porém, está a especializar-se. Há agora uma estrutura de emergência para vítimas LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexuais), uma casa abrigo para vítimas com deficiência, outra para vítimas com doença mental e outra para vítimas homens. E o Governo já anunciou três estruturas residenciais para idosas vítimas de violência doméstica — uma no Norte, outra no Centro e outra no Sul.

Desde o início da pandemia de covid-19, houve várias reuniões online entre a tutela e as organizações que gerem as estruturas da rede nacional. E nesses espaços de diálogo ecoaram queixas sobre a dificuldade de dar seguimento, sobretudo, aos casos de mulheres com muita idade, mulheres com deficiência, mulheres com doença mental, pessoas LGBTI. Daí virá a proposta que, por estar em processo legislativo, não é comentada pelo Ministério da Presidência.

João Lázaro, presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima – entidade que gere duas casas abrigo com vagas de emergência e de longa duração e um centro de acolhimento temporário criado durante o confinamento – saúda a ideia. “Não conheço a proposta, mas a ideia de alargar o prazo é extremamente bem-vinda. Uma das consequências da pandemia é a maior dificuldade em autonomizar as pessoas ou mesmo conseguir uma vaga de acolhimento prolongado. É preciso mais tempo para ajudar as pessoas a terem uma opção.”

Não resolve problema de fundo

A directora técnica da estrutura de emergência destinada a vítimas LGBTI, a Casa Arco-íris, dirigida pela Associação Plano i, Paula Allen, também aplaude o alargamento do prazo. A experiência com um grupo especialmente vulnerável mostra-lhe a impossibilidade de respeitar o prazo estipulado. Considera, todavia, que tal não resolverá o problema de fundo.

Mais de 45 mil reclamam estatuto de vítima para crianças em contexto de violência doméstica: “A defesa das crianças não deve ter partidos nem cores”. Em dois anos, só conseguiu fazer dois encaminhamentos para casa-abrigo: um homossexual acolhido na casa abrigo exclusiva para homens e uma lésbica com doença mental acolhida na casa -abrigo criada para melhor responder às necessidades das mulheres com doença mental. Não por falta de tentativa de encaminhar pessoas. “Mando pedido de abrigo e a resposta ou não vem ou vem um e-mail a dizer que não podem acolher”, diz.

Antes, até podia pensar que tudo se resumia à falta de vagas. Agora, a cada 15 dias há dados sobre ocupação e para todos se tornou evidente que o problema não é esse. Forçando uma explicação, Allen ouve outros técnicos a dizer “que as outras utentes não se vão sentir bem, que não lhes querem provocar mal-estar”. E julga que “isto não pode acontecer”. “Aquelas pessoas devem ter uma resposta em casa-abrigo”, enfatiza. Como? “Dando formação aos técnicos para que possam acolher estas vítimas, dando conta das suas especificidades.”

Paula Allen lembra que as estruturas de emergência não têm a mesma missão, nem as mesmas condições logísticas e técnicas que as casas-abrigo. E que prolongar a estadia de vítimas de violência nesta resposta é não libertar vagas para quem dela precisa. Em seu entender, ou o país assume que as casas-abrigo ‘tradicionais’ têm de ter competências para acolher estas pessoas (e as prepara) ou assume que não (e cria alternativas).

“A especialização é um percurso desejável”, comenta João Lázaro. E os dois caminhos parecem-lhe importantes: por um lado, capacitar as casas-abrigo generalistas, formar as equipas para acolher a diversidade, “lidar com as vulnerabilidades próprias e específicas de cada grupo”; por outro, ter estruturas especializadas, com equipas qualificadas para trabalhar, por exemplo, com vítimas mais vulneráveis por factores como doença mental, deficiência, orientação sexual, identidade e a expressão de género e idade​. “Isso é um passo muito positivo na qualificação das respostas.”

Fonte: PÙBLICO