O Luto

Perante a morte de alguém com quem se mantinha um vínculo de parentesco e/ou de afeto, entra-se em processo de luto.

Esta é uma reação natural à perda de alguém: é a adaptação de uma pessoa à realidade da ausência permanente de outra pessoa.

Pode classificar-se o processo de luto em seis valências:
  • Variável: o luto é uma realidade pessoal, variando na forma como é expressado externamente.
  • Incomensurável: não é possível medir um processo de luto na sua extensão ou profundidade – é algo que se desenvolve apenas por aquela pessoa, na sua interioridade.
  • Incomparável: ainda que possam existir semelhanças traçadas pelos diferentes relatos de diferentes pessoas, estas características não revelam a totalidade do que é sentido por uma pessoa em luto.
  • Pessoal: o processo de luto obedece a uma singularidade pessoal – à daquele que o desenvolve - em interação com uma multiplicidade de fatores internos e externos.
  • Não-grupal: o processo de luto não é apenas uma realidade conjunta – “uma família em luto”. Na verdade, sob um “luto conjunto”, há vários processos de luto a decorrer, cada um com as suas particularidades e os seus ritmos próprios.
  • Complexo: durante o desenvolvimento do processo de luto, interferem múltiplos e complexos fatores, de ordem histórica (sobretudo relacionadas com as circunstâncias da morte do ente amado), psicológica, familiar e social, entre outras.
  • O luto é um processo psicológico pelo qual a tristeza experimentada por uma perda significativa vai sendo dissipada.
  • O luto não é um fenómeno estático, mas um processo que implica, como todos os processos, uma progressão no tempo.
  • O luto exige um reajustamento ao novo contexto: está em aberto o espaço até então ocupado pela pessoa que morreu.
  • Este reajustamento proporciona o desenvolvimento de novas relações e a afirmação, ou reafirmação, de novos laços no futuro. 

    Num processo de luto considerado “normal”, sentem-se emoções e têm-se comportamentos que podem afastar-se consideravelmente dos hábitos e das atitudes que eram correntes antes da perda.

    Estas alterações não são, no entanto, as mesmas que implicam desvios mentais profundos, de natureza patológica (por exemplo, a paranoia, o estado maníaco e até mesmo a depressão).

    O que é vivido num luto normal é um conjunto particular de condições emocionais, visando uma saída saudável para a perda.

    Os aspetos mais marcantes de um processo de luto normal são:

    • Um desânimo profundo, isto é: falta de vontade geral para a vida, pelo que todo o quotidiano é vivido com esforço e de forma penosa;
    • Um grande desinteresse pelo mundo exterior, uma vez que este não pode voltar a ser o mesmo, nem pode devolver o ente amado;
    • Uma perda de “capacidade para amar de novo”, por não se conseguir aceitar que alguém venha a ocupar o lugar deixado vazio pelo ente amado – uma vez que se considera que este é insubstituível;
    • Uma dificuldade em desenvolver toda e qualquer atividade que não esteja simbolicamente associada à memória do ente amado.

    Os sintomas apresentados por uma pessoa em luto manifestam-se em diferentes dimensões. Ao nível psicológico, a pessoa em luto pode experienciar:

    • Grande adormecimento
    • Expressões de raiva
    • Sentimento de culpa
    • Autorrecriminação
    • Ansiedade
    • Solidão
    • Fadiga mental
    • Desamparo
    • Choque
    • Estarrecimento
    • Tristeza profunda
    • Angústia
    • Descrença
    • Confusão
    • A inquietante sensação da “presença do ente amado”, como se não tivesse morrido, podendo mesmo chegar a ter alucinações visuais e/ou auditivas
    • Sensação de despersonalização (sentir-se “desfeito/a em pedaços”)
    • Sonhos frequentes com a pessoa que faleceu
    • Necessidade de recordar episódios felizes vividos por ambos, tentando visitar os lugares que foram cenário dessas memórias e guardando objetos alusivos a esses episódios.
    • Crises de choro compulsivo, nas mais variadas ocasiões, mesmo quando não está inserida num contexto relacionado com o ente amado.

    Ao nível físico podem surgir:

    • Sensação de “vazio no estômago”, “aperto no peito”, “nó na garganta”
    • Hipersensibilidade ao ruído
    • Falta de ar
    • Suspiros profundos
    • Fraqueza muscular
    • Falta de energia
    • Boca seca.
    • Cansaço progressivo, associado também a alterações do sono e do apetite.

    Ao nível social podem haver manifestações de:

    • Comportamento “flutuante”, isto é, parece que a pessoa “flutua” sobre os acontecimentos do quotidiano, sem se empenhar ou envolver neles
    • Esquecimento de tarefas do dia-a-dia, pessoais ou laborais
    • Isolamento social, distanciando-se de familiares e/ou amigos/as, de grupos de convívio e, de uma forma genérica, de ocasiões onde haja aglomerados de pessoas.

    Apesar de o processo de luto ser pessoal, a morte de uma pessoa provoca a existência de vários processos de luto atendendo a quem uma pessoa pode ter diferentes relações na sua vida: familiares, amorosas, de amizade, laborais, etc.

    Assim, os processos de luto, ainda que pessoais, dificilmente correm sozinhos ou desconectados dos demais processos.

    Portanto, esta conexão adensa a sua complexidade: de uns processos de luto para os outros pode haver permuta, reciprocidade, ambiguidade, rivalidade e uma grande complexidade de sentimentos.

    Como também já foi sendo dito, a família pode sofrer um abalo estrutural significativo pelo impacto que a perda tem em cada um dos elementos, podendo existir até ruturas e desagregações.

    Diversos fatores podem estar na origem desta degradação da estrutura familiar:

    A idade da pessoa que morreu

    • “Aceita-se” mais facilmente a morte de alguém com mais idade do que de alguém mais novo.
    • A morte de pessoas em idade avançada é considerada uma “morte natural”, pois, de certo modo, “viveram até ao limite”, ou “viveram muito”. A morte de um familiar idoso é mais assimilável pela estrutura da própria família: esta perspetiva-a como algo inevitável e que acontece para “dar lugar a outros”.
    • A morte na infância, juventude ou, ainda que na idade adulta, de alguém com uma vida ativa, é vista como uma rutura no continuum que é a vida, podendo ser considerada até antinatura, por ser desejável que estas pessoas vivam até serem idosas.

    A idade das pessoas em luto

    • As crianças e jovens tenderão a ter dificuldades de compreensão da morte de um familiar, mesmo que este fosse uma pessoa idosa.
    • As pessoas adultas podem “projetar-se” na morte de um familiar da mesma idade, ou ainda que mais velho ou mais novo, vislumbrando nela a imagem da que poderá, um dia, vir a ser a sua própria morte.


    O papel que a pessoa que morreu desempenhava na hierarquia familiar, em particular o parentesco

    • Os/as filhos/as aceitam com muita dificuldade a morte dos seus pais, em especial se ainda forem crianças e jovens, e/ou estejam a viver em sua casa. Ao faltar o pai ou a mãe, ou ambos, a família, tal como estava “classicamente” formada (pai, mãe e filhos), sofre uma fragmentação.
    • Os pais que perderam um filho, ou filhos, também terão dificuldade em manter a família a salvo da desintegração. Muitos perdem o sentido da vida familiar e conjugal, sobretudo se não houver outros filhos e se havia problemas de relacionamento anteriores ao luto.

    O grau de poder que exercia a pessoa que morreu e o seu papel na tomada de decisões/gestão da vida familiar/providência económica, nomeadamente:

    • Se a pessoa que morreu era a que mais contribuía financeiramente para o agregado familiar
    • Se a pessoa que morreu era a pessoa que tinha mais capacidade de gestão para governar a vida doméstica com eficiência, ainda que com menos poder financeiro
    • Quanto à dificuldade em definir os papéis (notável sobretudo na organização de famílias mais conservadoras) e o exercício dos mesmos – dificuldades em definir substitutos ou transferências de poder.

    O envolvimento afetivo da pessoa que faleceu com os demais membros da família.
    Se a pessoa que morreu era especialmente expressiva nas manifestações de afeto, mais a sua ausência será notada nas dinâmicas familiares.

    A estrutura familiar ressente-se necessariamente, pois, com a pessoa, desapareceu um dos eixos estruturais, que suportava, dinamizava e revitalizava as relações com afeto.

    Isto acontece sobretudo na perda de pessoas que eram especialmente expansivas, compreensivas e gregárias no seio da sua família.
    Cada família corresponde a um perfil único.

    Para além da singularidade de cada pessoa que a integra, há uma série mais ou menos extensa de fatores que a tornam complexa e diferente:

    • O número e as idades dos membros que a compõem;
    • A sua história passada;
    • As suas condições habitacionais e sociais;
    • A religião que professam;
    • A sua diferenciação académica;
    • Os seus gostos culturais;
    • O seu nível socioeconómico.

    Apesar das diferenças próprias de cada uma, é possível classificar as semelhanças que têm entre si quanto à capacidade de aceitar, compreender e gerir os sentimentos dos seus membros.

    Não esgotando outras possíveis classificações, podem ser divididas em dois grandes grupos, extremos na sua maneira de ser e de estar.

    As famílias que não expressam abertamente os seus sentimentos:

    • Não costumam permitir tolerância para com os membros no que diz respeito ao que não é visível (ex.º: sentimentos);
    • Tendem a focar-se em aspetos “palpáveis” de um problema, ignorando ou desprezando os que não têm uma expressão visível (ex.º: menosprezar ou ignorar manifestações de problemas de saúde mental);
    • Tendem a não valorizar aspetos como a tristeza ou uma angústia frequente, especialmente se não estiverem relacionadas com algo imediato ou concreto (ex.º: ficar desempregado, ser reprovado num exame);
    • Referem-se aos sentimentos negativos numa perspetiva pragmática e esquiva, como sendo “algo que já passou”;
    • Não promovem a partilha entre os elementos da família sobre estes conteúdos menos visíveis – o que pode gerar que, perante uma situação de perturbação emocional de algum dos elementos, a tendência possa ser a de reprimir esse sentimento, procurando que ninguém se aperceba do mesmo;
    • Em caso de luto, não tendem a promover o diálogo sobre os sentimentos e as emoções negativas que estão a viver;
    • A própria maneira de ser e de estar dos elementos pauta-se pelo império do silêncio geral sobre a perda e sobre a pessoa que morreu, pelo afastamento de toda e qualquer referência à pessoa que morreu (roupas, objetos, fotografias, em conversas…) – como se se gerasse um tabu sobre o tema, de tal forma que parece que aquela pessoa nunca existiu;
    • Nestes casos, pode dizer-se que chegam a viver um luto patológico: os diferentes elementos da família agem entre si numa ótica de recusa de que aquela pessoa faleceu. A estrutura familiar habitual não integra ausência daquela pessoa. Permanece igual o papel de cada membro.

    As famílias que expressam abertamente os seus sentimentos:

    • Têm por hábito integrar no seu quotidiano a partilha de sentimentos e emoções – positivas ou negativas;
    • Na sequência da morte de uma pessoa, não tende a existir degradação da estrutura familiar, não obstante a dor que vivenciam. Tal pode dever-se à capacidade de partilhar, de forma sincera e franca, o que sente cada um dos seus membros;
    • Tende a existir uma entreajuda entre os diferentes intervenientes, promovendo as adaptações necessárias após a perda, o que facilita o desenvolvimento salutar do processo de luto;
    • O papel desempenhado pela pessoa que morreu poderá ser desempenhado por outro membro, que procurará responder a novos desafios;
    • Os processos de luto de cada membro serão facilitados pela reação conjunta;
    • Geralmente acolhem bem a ajuda de amigos e de profissionais e até a procuram, interessados em receber o seu apoio.

    Outro aspeto importante para as famílias em luto pode ser a da partilha dos bens patrimoniais do ente amado ou a distribuição do valor obtido por indemnização.

    Os bens de um falecido são geralmente herdados pelos seus familiares, através de uma escritura de habilitação de herdeiros e/ou em cumprimento das disposições testamentárias.

    Os herdeiros fazem, então, uma partilha dos bens móveis e imóveis, depois de chegarem a vários acordos entre si.

    Frequentemente, o inventário dos bens não é uma tarefa fácil e os acordos são muito difíceis, originando grandes tensões e até ruturas na família.

    A indemnização recebida pela morte do ente amado, seja privada ou concedida pelo Estado, pode originar também desentendimentos dentro da família, cujos membros entram em disputa pelo valor, mesmo quando há critérios definidos pelas entidades que a atribuem quanto aos graus de parentesco daqueles em relação à pessoa falecida.

    Em alguns casos, pode começar a verificar-se um crescendo de conflitos, engrossado por incompatibilidades relacionais anteriores.

Por vezes a par ou até mais do que a família, os/as amigos/as são de fulcral importância na vida para a pessoa em luto, por vezes por força do papel que tinham junto da pessoa que faleceu.

É comum verificar-se que, na Fase da Crise, e, especialmente logo após a notícia da morte e até após o momento das exéquias, os/as amigos/as da pessoa em luto (que, por vezes, são amigos/as comuns) se dirijam a esta reforçando a sua solidariedade, apoio incondicional e compromisso – “conta comigo”, “os amigos são para os bons e maus momentos”.

Nesta fase, caso a pessoa em luto contacte algum/a amigo/a, obterá, sem hesitações, o seu apoio.

Serão, certamente, peça fundamental neste procesrrso penoso, dirimindo eventuais momentos de solidão, acolhendo confidências, facilitando a expressão de sentimentos e auxiliando na racionalização de emoções em ocasiões mais críticas.

Não obstante, por vezes nem todos/as os/as amigos/as prosseguem a sua presença no processo, ausentando-se mais ou menos da vida da pessoa em luto, por múltiplas razões.

Na Fase da Desorganização, isto torna-se evidente – a sua ausência pesa e agrava o processo de luto, porque, agregada à perda do ente amado, há também a perda de amigos/as.

Na Fase da Organização, alguns/algumas desses/as amigos/as já nem são considerados como tal e, num processo de luto saudável, outros/as amigos/as vão surgindo.

Novas relações de amizade serão, aliás, sinal de que o processo de luto está a desenvolver-se adequadamente e, organizando uma nova vida, a pessoa em luto foi capaz de conquistar, ou aceitar, novas pessoas na sua rede relacional.

Porque ocorre a ausência das pessoas amigas?

Por vezes, a pessoa em luto percebe, em muitos casos, que foi ela própria a afastar-se durante o processo:

porque estava sob o poder das suas fortes emoções, de uma grande tristeza, de uma tendência para o silêncio e para o isolamento;

porque os/as amigos/as seguiram a sua vida quotidiana, plena de afazeres e de obrigações profissionais e familiares, deixando de estar tão presente;

porque assim o quis, agindo de forma consciente e defensiva: pode tornar-se muito angustiante reunir, ou mesmo contactar por telefone, com pessoas que sejam uma permanente lembrança de um mundo que para a pessoa em luto acabou com a perda do ente querido.

Isto não significará que a pessoa em luto deseje aos seus amigos a infelicidade que vivencia com o processo.

Por seu lado, as pessoas amigas, não entendendo a reação de constante desprendimento do/a amigo/a enlutado/a, e depois de várias tentativas de aproximação, acabam por desistir, por vezes magoados/as e até zangados/as.

Se é amigo/a de uma pessoa em luto na sequência de uma situação de crime, e precisa de ajuda, contacte-nos.

Em Pessoas Adultas

O sofrimento vivido por uma pessoa em processo de luto pode afetar as pessoas adultas em si mesmas, mas também nas dimensões familiar, profissional e social, o que poderá acarretar vários problemas.

As manifestações do processo de luto não ocorrem de forma aleatória no tempo. Num processo de luto “normal”, que dura cerca de seis meses a um ano (ou um pouco mais, dependendo das pessoas e das circunstâncias), as manifestações têm um desenvolvimento ordenado e gradual.

Apesar da complexidade do fenómeno, a compreensão da dinâmica do processo de luto pode ser melhor percebida se este for visualizado em três fases:

  • A fase da crise
  • A fase da desorganização
  • A fase da organização

O luto em pessoas adultas inicia-se invariavelmente aquando da receção da notícia da morte.

No caso de situações associadas a morte por ação de um homicídio ou ato terrorista, é nesta fase que também se inicia o procedimento criminal, isto é, a investigação que permitirá concluir a causa da morte e a sua eventual autoria.

Na fase da crise, a partir da notícia da morte, a pessoa experimenta um embate emocional.

Este impacto pode ser sentido por muitas horas, chegando a durar, por vezes uma semana inteira.

Neste embate podem verificar-se:

  • Repentinas explosões de aflição e de ânsia;
  • Aumento da tensão arterial e da frequência cardíaca;
  • Sentimentos de “dormência” ou “torpor”, que são consequências naturais do choque vivido, nos quais a pessoa sente que “flutua sobre os acontecimentos”, com a vaga sensação de que está a viver um pesadelo, ou seja, que não está totalmente acordada e consciente da realidade; é como se estivesse “anestesiada”;
  • Sentimentos de que “foi despenhada de um monte”, associado a prostração intensa.

Adicionalmente, podem ser percebidas ainda diferentes formas de manifestação de negação da morte da pessoa:

  • Ao receber a notícia, manifestando algum tipo de reação física (ex.º empurrar, agredir) para com a pessoa que transmite a notícia de morte, ou dizendo, por exemplo “Não pode ser!”;
  • Nos comportamentos quotidianos, quando a pessoa se comporta como se a morte não tivesse ocorrido de facto – referir-se à pessoa como estando viva, manter intactos os objetos;
  • Afastamento das exéquias, referindo, por exemplo, que pretende manter “as boas memórias”, ou dizendo que “não gosta de funerais” ou admitindo simplesmente não querer estar presente no funeral para não admitir/acreditar que aquela pessoa morreu;
  • Situações de Questionamento / Vingança / Medo / Ansiedade, perguntando, por exemplo, “Porque tinha de morrer ele/a e não outra pessoa?”

Na fase da crise, em particular associada a situações de homicídio, influem também para a reação da pessoa em luto:

  • A intensidade com que foi cometido o crime (por exemplo, a vítima ter sido mutilada viva, ou torturada com ferros em brasa);
  • O carácter súbito do crime (por exemplo, um homicídio num meio de transporte público);
  • A premeditação do crime (por exemplo, saber-se que a vítima há já algum tempo vinha sendo ameaçada de morte);
  • Os contornos e o contexto do homicídio.

Na fase da crise inscreve-se também a necessidade de a pessoa comunicar a morte a outros/as familiares, pessoas amigas e/ou conhecidas.

Esta comunicação é percecionada como desconfortável pois, além de ter de pensar na melhor forma de o comunicar, a pessoa vê-se obrigada a suportar, ainda que por instantes, as reações dos outros (sobretudo, choro compulsivo, negações, perguntas, confusão, etc.). Na fase da crise pode ocorrer a necessidade de uma pessoa em luto ter de identificar o cadáver.

Esta fase pode ser particularmente perturbadora e dolorosa, uma vez que a pessoa visionará um ente querido, despido e colocado quase anonimamente na mesa de uma morgue. Além deste momento, a perspetiva da realização de uma autópsia, obrigatória perante a suspeita de morte violenta, pode aumentar a crise emocional de familiares e amigos/as, que sofrem com a possibilidade de o corpo do ente querido ser “aberto e remexido”.

Inserem-se também na fase de crise as exéquias, que, frequentemente, ocorrem apenas vários dias depois da notícia da morte.

As exéquias são um momento de grande importância no processo de luto. Pode haver pessoas que experienciam as exéquias como:

  • o momento mais traumático depois de saberem da morte da pessoa; é nesta ocasião que percebem que, de facto, o ente querido morreu;
  • O momento de expressão de emoções, por exemplo, gritando e chorando, ou insultando alguma pessoa, presente ou ausente, que considere culpada daquela morte como que aproveitando “os últimos instantes” de “contacto” com o seu ente querido;
  • O momento de intimidade e silêncio; há pessoas que vivem as exéquias de forma mais apática, sendo o silêncio o lugar de toda a intimidade onde fazem a despedida do ente amado.

Esta fase ocorre quase sempre uns dias depois da morte do ente querido e das suas exéquias já cumpridas, sobretudo, o velório e funeral, restando, em alguns casos, outras liturgias, a realizar em datas posteriores.

Em alguns casos pode, no entanto, surgir umas semanas depois, na medida em que tiver demorado a Fase da Crise e dependendo da intensidade que esta teve.


Após a morte e a fase da crise, é possível que a pessoa em luto experiencie uma sensação de vazio e de desorientação, podendo manifestar dificuldades em organizar os diferentes aspetos da sua vida depois da notícia da morte, da divulgação da mesma, de outras diligências (ex.º reconhecimento de cadáver) e das exéquias.

Também é possível que a pessoa em luto experiencie, nesta fase, ansiedade e medo.

Nos casos de homicídio, tal ansiedade e medo podem ser bem reais: há um processo-crime a decorrer, nos quais, por vezes, a pessoa em luto é parte interveniente como testemunha, mas do qual obtém pouco feedback.

Com efeito, estes são processos cuja investigação corre sob segredo de justiça; e, sem o devido acompanhamento e esclarecimento, a pessoa em luto pode iniciar uma espiral de receios, como por exemplo:

  • "A Polícia está desinteressada na investigação"
  • "Não vai ser possível saber quem fez isto"
  • "Como não sabem quem foi, a próxima pessoa posso ser eu"
  • "Como sabem quem foi mas ainda não o/a apanharam, há risco de que eu/um familiar próximo seja vítima também"
  • "Se preciso de segurança adicional, então o meu medo é real"

Nesta fase, a pessoa em luto:

  • Sofre de desalento e a sua dor pode ser tão angustiante que facilmente acredita, de novo, estar “prestes a enlouquecer”: tudo ameaça rutura e caos.
  • Tende a tornar-se irritável, reagindo de maneira negativa e brusca a determinados estímulos, por pequenos e inócuos que sejam.
  • Pode tornar-se agressiva e até injusta com os que a rodeiam, chegando a ser indiferente ao sofrimento que lhes provocou.
  • Sente, por vezes, que nenhum sofrimento poderá ser maior que o seu.

A pessoa em luto, sobretudo se tiver apoio direto de familiares e/ou amigos e de profissionais especializados, pode retomar, aos poucos, a energia de uma vida ativa, redefinindo estratégias e figurando novas perspetivas de futuro.

Para alguns, esse é, no entanto, um trabalho árduo, cheio de “avanços e recuos”.
Para outros, passa por uma dissimulação da tristeza, de modo a veicular uma imagem de segurança e confiança para a família (sobretudo quando têm filhos/as pequenos/as) e para os amigos, o que, inevitavelmente, conduz a um maior isolamento e a estados de desamparo.
Na fase de desorganização domina a saudade.

A saudade é um sentimento universal, mas com expressões profundas em determinadas culturas (por exemplo, na cultura portuguesa).

Estas acabam por facilitar a sua permanência constituindo-se em aspeto negativo, já que deixa, em muitos casos, de ser algo transitório para ser persistente. E, enquanto persistir, o processo de luto não pode desenvolver-se de modo saudável.

Nestes casos, a saudade:


  • É uma recusa da perda: a pessoa recusa-se a abdicar da presença do ente querido, mantendo presente a sua recordação, devidamente suportada por símbolos ou rituais (ex.º manter inalterada uma divisão da casa)
  • Está também ligada à agressividade, uma recusa violenta da realidade da morte por não poder voltar a ter o ente querido. Em casos de homicídio, esta raiva está intensamente ligada ao ódio pelos responsáveis pelo homicídio e ao desejo de vingança.

Nalguns casos, a manutenção da recordação torna-se uma busca ativa e persistente por parte da pessoa em luto relativamente ao ente querido perdido (símbolos, celebrações, rituais comemorativos, locais, etc.)

Por vezes, tais atos, muitas vezes de cariz cultural ou religioso, podem facilitar o processo de luto.

Nestes casos, por vezes o que se busca é a atribuição de novos significados à morte de alguém, especialmente apelando à solidariedade familiar, de amigos e da comunidade em torno da memória da pessoa que faleceu.

Assim, podem ocorrer liturgias, memoriais, símbolos e rituais como forma de vivência destes novos significados (ex.º plantar uma árvore, fazer um memorial com amigos, etc.).

De facto, para celebrar a memória das vítimas de atos homicidas, muitas cidades erguem monumentos públicos, que recebem as homenagens dos familiares e amigos das vítimas, ou de pessoas anónimas, em especial no aniversário da sua vitimação.

Estes atos podem facilitar uma passagem desta Fase de Desorganização à fase seguinte – de Organização. 

Nesta fase, a dor da perda começa a ser extinta e começa a haver um equilíbrio ao nível da saúde física e psicológica.

Nesta fase, a pessoa em luto:

  • Sente-se capaz de perspetivar a morte do ente amado, de a refletir, de racionalizar as informações disponíveis e fazer julgamentos sobre diferentes aspetos desta.
  • É também capaz de tratar e resolver problemas complexos.
  • Começa a inserir-se numa multiplicidade de ajustamentos e novas perspetivas, concebendo ativamente novos objetivos para a sua vida.
  • Começa a sentir-se novamente disponível para amar outra pessoa (no caso de ter perdido o marido/mulher, companheiro/companheira, namorado/namorada) e/ou para estabelecer novas relações de amizade.

Estas alterações podem ser observáveis por familiares e/ou amigos, e/ou por profissionais que tenham acompanhado a pessoa em luto desde a Fase da Crise.

A lembrança do ente querido deixa de ser uma permanente “dor da falta”, ou uma “dor da ausência”, isto é, aquela saudade persistente e torturada, mas uma memória saudável, que marca no pensamento da pessoa um passado importante, feliz, parte decisiva da sua história e da sua identidade, mas algo perdido e já ultrapassado.

É uma memória acomodada que não gera instabilidade ou desorganização, mas adaptação e caminho para o futuro sem luto.

Em Crianças e Jovens

À semelhança do que acontece nos processos de luto de pessoas adultas, o luto das crianças e dos/as jovens pode ser analisado e observado à luz das fases da crise, de desorganização e de organização.

Para mais informações sobre como lidar com o luto em crianças e jovens, consulte também o Manual CARONTE e as brochuras destinadas a intervir no luto, para crianças entre os 5 e os 12 anos.

Nesta fase, e após a notificação da morte a criança ou o/a jovem pode experimentar sensações de choque, torpor e recusa da realidade.

O choque da perda tem manifestações tanto ao nível físico como psicológico.

Entre as alterações físicas, registam-se, geralmente:

  • Aumento da frequência cardíaca;
  • Aumento da tensão muscular;
  • Maior sudorese;
  • Secura das mucosas bucais;
  • Comportamentos de enurese e encoprese;
  • mudanças respiratórias, sobretudo inspirações mais curtas e contínuos e profundos suspiros;
  • Maior cansaço, como forma de resposta física à aceitação da perda;

Estas reações podem surgir em vagas de apenas alguns momentos ou duram várias horas. Em certos casos, as crianças e os/as jovens, pelo contrário, parecem não ter reação à notícia da morte:

  • Continuam a referir-se ao ente querido como estando vivo;
  • Perguntam quando é que o ente querido volta, como se a morte fosse uma viagem com regresso (sobretudo entre os 5 e os 8 anos de idade);
  • Continuam a usar o presente do indicativo quando falam da pessoa que faleceu;

É comum que a criança ou o/a jovem manifeste as suas reações direcionadas a alguns aspetos práticos da sua vida: “E agora quem me leva todos os dias à escola?”, “Com quem vou viver?”.

É comum que as pessoas adultas reportem que, nos dias após a notícia da morte, a criança ou o/a jovem manifeste uma alteração de comportamentos: tão rapidamente está a sorrir ou até aparentemente alheada do luto familiar, como passa a manifestar explosões de fúria, súbitas e fortes, e crises de choro incontrolável.

No caso de experienciarem o luto por uma situação de homicídio as crianças ou os/as jovens podem temer que a pessoa que matou o seu ente querido venha também matá-las.

Portanto, a sua insegurança emocional pode manifestar-se em:

  • Comportamentos defensivos – ex.º verificar se as portas estão trancadas, dormir vestido/a caso precise de fugir do/a assassino/a…;
  • Comportamentos de dependência das pessoas adultas – ex.º procurarem colo repetidamente, quererem estar sempre de mão dada, quererem dormir na cama dos pais;
  • Como constante necessidade de companhia do/a familiar mais chegado/a;
  • Como forma de tentarem evitar um novo luto/uma nova perda.

Tal como nas pessoas adultas, crianças e jovens tendem a iniciar a fase da desorganização após o cumprimento das exéquias.

Pode, no entanto, surgir algumas semanas depois, na medida em que tiver demorado a Fase da Crise e dependendo da intensidade que esta teve.

Na fase da desorganização, e mesmo que se saiba que a morte se deveu a um homicídio e quem é o/a seu/sua potencial autor/a, a criança ou o/a jovem pode experienciar a emergência de sentimentos de revolta ou de raiva.

Estes sentimentos podem ser direcionados a uma pessoa em específico, contra todas as pessoas adultas em geral ou até “contra o mundo”.

Apesar de poder ser geradora de outros problemas, esta emergência de sentimentos é uma resposta natural à perda e pode ser um sinal de impulso de sobrevivência emocional.

Na fase da desorganização, a criança ou o/a jovem pode também experienciar negação, recusa ou descrença relativamente à morte.

Com efeito, pode ser recorrente a menção à presença da pessoa falecida em sonhos, o que pode ajudar a superar e a assimilar de forma normativa a morte daquela pessoa.

O recurso à fantasia é, nalgumas crianças, a única forma de aliviar a dor da perda.

Pensar na pessoa, desejar tê-la de volta, sonhar com isso, apesar de poder ser visto pelas pessoas adultas como problemático, pode ser, na verdade, um espaço reconfortante e apaziguador para crianças e jovens.

A interação com outras crianças ou jovens pode sofrer alterações na fase da desorganização.

É possível que, neste período, as crianças e os/as jovens possam preferir atividades mais solitárias.

A presença atenta e delicada de uma pessoa adulta poderá auxiliar no ajustamento das brincadeiras com outras crianças, muito embora tal possa ser complicado para as pessoas adultas que também estão a viver o seu próprio luto e, simultaneamente, a dar resposta às necessidades básicas da criança ou do/a jovem, restando-lhes pouca energia para brincar ou conversar com eles/as.

Na fase da desorganização, é possível que crianças e jovens possam experienciar ansiedade e regressão nos comportamentos que já estavam adquiridos, como por exemplo: 

  • Manifestar dificuldades na alimentação (alimentar-se a menos ou a mais);
  • Roer as unhas;
  • Manifestar perturbações do sono ou pesadelos;
  • Vivenciar aumento de reações alérgicas (eczema, asma);
  • Enurese/Encoprese.

Em crianças mais novas, ainda se podem verificar comportamentos como:

  • Chuchar no dedo;
  • Embalar-se de um lado para o outro;
  • Desejo de serem abraçadas.

Esta é a fase da aceitação, e pode ser descrita como um conflito entre “deixar-se arrastar pelos dias”, numa tristeza instalada e quotidiana, e “o desejo de manter-se firme e combativo”.

Esta tensão entre a memória de um passado conhecido e a perspetiva de um futuro desconhecido é o eixo determinante para a resolução do processo de luto e o encerramento do Ciclo.

A aceitação é o ponto fulcral de um processo de luto numa criança ou num/a jovem; é nela que se ajusta com sucesso a realidade da perda.

A criança ou o/a jovem aceita que não vai esquecer o ente querido, mas transformará os sentimentos em recordação, numa memória gratificante de alguém que se amou, sem que isso signifique trair a memória daquela pessoa.

No entanto, poderão existir:

  • Debilidades do sistema imunitário, com manifestações de constipação, dores de garganta, estômago e fadiga geral;
  • Manutenção do medo geral da morte – por se aperceber que a morte é um acontecimento definitivo e inevitável a todas as pessoas; pode temer de forma intensa que outro ente querido morra, revivendo, por isso, sucessivamente, a perda que sofreu.