Apesar de o processo de luto ser
pessoal, a morte de uma pessoa provoca a existência de vários processos de luto
atendendo a quem uma pessoa pode ter diferentes relações na sua vida:
familiares, amorosas, de amizade, laborais, etc.
Assim, os processos de luto, ainda que pessoais, dificilmente correm
sozinhos ou desconectados dos demais processos.
Portanto, esta conexão adensa a sua complexidade: de uns processos de luto
para os outros pode haver permuta, reciprocidade, ambiguidade, rivalidade e uma
grande complexidade de sentimentos.
Como também já foi sendo dito, a família pode sofrer um abalo estrutural
significativo pelo impacto que a perda tem em cada um dos elementos, podendo
existir até ruturas e desagregações.
Diversos fatores podem estar na origem desta degradação da estrutura
familiar:
A idade da pessoa que morreu
Por vezes a par ou até mais do que a
família, os/as amigos/as são de fulcral importância na vida para a pessoa em luto,
por vezes por força do papel que tinham junto da pessoa que faleceu.
É comum verificar-se que, na Fase da Crise, e, especialmente logo após a notícia
da morte e até após o momento das exéquias, os/as amigos/as da pessoa em luto (que,
por vezes, são amigos/as comuns) se dirijam a esta reforçando a sua solidariedade,
apoio incondicional e compromisso – “conta comigo”, “os amigos são para os bons e
maus momentos”.
Nesta fase, caso a pessoa em luto contacte algum/a amigo/a, obterá, sem
hesitações, o seu apoio.
Serão, certamente, peça fundamental neste procesrrso penoso, dirimindo eventuais
momentos de solidão, acolhendo confidências, facilitando a expressão de sentimentos
e auxiliando na racionalização de emoções em ocasiões mais críticas.
Não obstante, por vezes nem todos/as os/as amigos/as prosseguem a sua presença
no processo, ausentando-se mais ou menos da vida da pessoa em luto, por múltiplas
razões.
Na Fase da Desorganização, isto torna-se evidente – a sua ausência pesa e agrava
o processo de luto, porque, agregada à perda do ente amado, há também a perda de
amigos/as.
Na Fase da Organização, alguns/algumas desses/as amigos/as já nem são
considerados como tal e, num processo de luto saudável, outros/as amigos/as vão
surgindo.
Novas relações de amizade serão, aliás, sinal de que o processo de luto está a
desenvolver-se adequadamente e, organizando uma nova vida, a pessoa em luto foi
capaz de conquistar, ou aceitar, novas pessoas na sua rede relacional.
Porque ocorre a ausência das pessoas amigas?
Por vezes, a pessoa em luto percebe, em muitos casos, que foi ela própria a
afastar-se durante o processo:
porque estava sob o poder das suas fortes emoções, de uma grande tristeza, de
uma tendência para o silêncio e para o isolamento;
porque os/as amigos/as
seguiram a sua vida quotidiana, plena de afazeres e de obrigações profissionais e
familiares, deixando de estar tão presente;
porque assim o quis, agindo de
forma consciente e defensiva: pode tornar-se muito angustiante reunir, ou mesmo
contactar por telefone, com pessoas que sejam uma permanente lembrança de um mundo
que para a pessoa em luto acabou com a perda do ente querido.
Isto não significará que a pessoa em luto deseje aos seus amigos a
infelicidade que vivencia com o processo.
Por seu lado, as pessoas amigas, não entendendo a reação de constante
desprendimento do/a amigo/a enlutado/a, e depois de várias tentativas de
aproximação, acabam por desistir, por vezes magoados/as e até zangados/as.
Se é amigo/a de uma pessoa em luto na sequência de uma situação de crime, e
precisa de ajuda, contacte-nos.
O sofrimento vivido por uma pessoa em processo de luto
pode afetar as pessoas adultas em si mesmas, mas também nas dimensões familiar, profissional e
social, o que poderá acarretar vários problemas.
As manifestações do processo de luto não ocorrem de forma aleatória no tempo. Num processo
de luto “normal”, que dura cerca de seis meses a um ano (ou um pouco mais, dependendo das
pessoas e das circunstâncias), as manifestações têm um desenvolvimento ordenado e gradual.
Apesar da complexidade do fenómeno, a compreensão da dinâmica do processo de luto pode ser
melhor percebida se este for visualizado em três fases:
O luto em pessoas adultas inicia-se
invariavelmente aquando da receção da notícia da morte.
No caso de situações associadas a morte por ação de um homicídio ou ato
terrorista, é nesta fase que também se inicia o procedimento criminal, isto é, a
investigação que permitirá concluir a causa da morte e a sua eventual autoria.
Na fase da crise, a partir da notícia da morte, a pessoa experimenta um
embate emocional.
Este impacto pode ser sentido por muitas horas, chegando a durar, por vezes
uma semana inteira.
Neste embate podem verificar-se:
Adicionalmente, podem ser percebidas ainda diferentes formas de manifestação de negação da morte da pessoa:
Na fase da crise, em particular associada a situações de homicídio, influem também para a reação da pessoa em luto:
Na fase da crise inscreve-se também a
necessidade de a pessoa comunicar a morte a outros/as familiares, pessoas amigas
e/ou conhecidas.
Esta comunicação é percecionada como desconfortável pois, além de ter de pensar
na melhor forma de o comunicar, a pessoa vê-se obrigada a suportar, ainda que
por instantes, as reações dos outros (sobretudo, choro compulsivo, negações,
perguntas, confusão, etc.).
Na fase da crise pode ocorrer a necessidade de uma pessoa em luto ter de
identificar o cadáver.
Esta fase pode ser particularmente perturbadora e dolorosa, uma vez que a pessoa
visionará um ente querido, despido e colocado quase anonimamente na mesa de uma
morgue.
Além deste momento, a perspetiva da realização de uma autópsia, obrigatória
perante a suspeita de morte violenta, pode aumentar a crise emocional de
familiares e amigos/as, que sofrem com a possibilidade de o corpo do ente
querido ser “aberto e remexido”.
Inserem-se também na fase de crise as exéquias, que, frequentemente, ocorrem
apenas vários dias depois da notícia da morte.
As exéquias são um momento de grande importância no processo de luto. Pode haver
pessoas que experienciam as exéquias como:
Esta fase ocorre quase sempre uns dias
depois da morte do ente querido e das suas exéquias já cumpridas, sobretudo, o
velório e funeral, restando, em alguns casos, outras liturgias, a realizar em
datas posteriores.
Em alguns casos pode, no entanto, surgir umas semanas depois, na medida em
que tiver demorado a Fase da Crise e dependendo da intensidade que esta teve.
Após a morte e a fase da crise, é possível que a pessoa em luto experiencie
uma sensação de vazio e de desorientação, podendo manifestar dificuldades em
organizar os diferentes aspetos da sua vida depois da notícia da morte, da
divulgação da mesma, de outras diligências (ex.º reconhecimento de cadáver) e
das exéquias.
Também é possível que a pessoa em luto experiencie, nesta fase, ansiedade e
medo.
Nos casos de homicídio, tal ansiedade e medo podem ser bem reais: há um
processo-crime a decorrer, nos quais, por vezes, a pessoa em luto é parte
interveniente como testemunha, mas do qual obtém pouco feedback.
Com efeito, estes são processos cuja investigação corre sob segredo de
justiça; e, sem o devido acompanhamento e esclarecimento, a pessoa em luto pode
iniciar uma espiral de receios, como por exemplo:
Nesta fase, a pessoa em luto:
A pessoa em luto, sobretudo se tiver
apoio direto de familiares e/ou amigos e de profissionais especializados, pode
retomar, aos poucos, a energia de uma vida ativa, redefinindo estratégias e
figurando novas perspetivas de futuro.
Para alguns, esse é, no entanto, um trabalho árduo, cheio de “avanços e
recuos”.
Para outros, passa por uma dissimulação da tristeza, de modo a veicular uma
imagem de segurança e confiança para a família (sobretudo quando têm filhos/as
pequenos/as) e para os amigos, o que, inevitavelmente, conduz a um maior
isolamento e a estados de desamparo.
Na fase de desorganização domina a saudade.
A saudade é um sentimento universal, mas com expressões profundas em
determinadas culturas (por exemplo, na cultura portuguesa).
Estas acabam por facilitar a sua permanência constituindo-se em aspeto
negativo, já que deixa, em muitos casos, de ser algo transitório para ser
persistente. E, enquanto persistir, o processo de luto não pode desenvolver-se
de modo saudável.
Nestes casos, a saudade:
Nalguns casos, a manutenção da
recordação torna-se uma busca ativa e persistente por parte da pessoa em luto
relativamente ao ente querido perdido (símbolos, celebrações, rituais
comemorativos, locais, etc.)
Por vezes, tais atos, muitas vezes de cariz cultural ou religioso, podem
facilitar o processo de luto.
Nestes casos, por vezes o que se busca é a atribuição de novos significados
à morte de alguém, especialmente apelando à solidariedade familiar, de amigos e
da comunidade em torno da memória da pessoa que faleceu.
Assim, podem ocorrer liturgias, memoriais, símbolos e rituais como forma de
vivência destes novos significados (ex.º plantar uma árvore, fazer um memorial
com amigos, etc.).
De facto, para celebrar a memória das vítimas de atos homicidas, muitas
cidades erguem monumentos públicos, que recebem as homenagens dos familiares e
amigos das vítimas, ou de pessoas anónimas, em especial no aniversário da sua
vitimação.
Estes atos podem facilitar uma passagem desta Fase de Desorganização à fase
seguinte – de Organização.
Nesta fase, a dor da perda começa a
ser extinta e começa a haver um equilíbrio ao nível da saúde física e
psicológica.
Nesta fase, a pessoa em luto:
Estas alterações podem ser observáveis
por familiares e/ou amigos, e/ou por profissionais que tenham acompanhado a
pessoa em luto desde a Fase da Crise.
A lembrança do ente querido deixa de ser uma permanente “dor da falta”, ou
uma “dor da ausência”, isto é, aquela saudade persistente e torturada, mas uma
memória saudável, que marca no pensamento da pessoa um passado importante,
feliz, parte decisiva da sua história e da sua identidade, mas algo perdido e já
ultrapassado.
É uma memória acomodada que não gera instabilidade ou desorganização, mas
adaptação e caminho para o futuro sem luto.
À semelhança do que acontece nos processos de luto de
pessoas adultas, o luto das crianças e dos/as jovens pode ser analisado e observado à luz das
fases da crise, de desorganização e de organização.
Para mais informações sobre como lidar com o luto em crianças e jovens, consulte também o
Manual CARONTE e as brochuras destinadas a intervir no luto, para crianças entre os 5 e os 12
anos.
Nesta fase, e após a notificação da
morte a criança ou o/a jovem pode experimentar sensações de choque, torpor e
recusa da realidade.
O choque da perda tem manifestações tanto ao nível físico como psicológico.
Entre as alterações físicas, registam-se, geralmente:
Estas reações podem surgir em vagas de apenas alguns momentos ou duram várias horas. Em certos casos, as crianças e os/as jovens, pelo contrário, parecem não ter reação à notícia da morte:
É comum que a criança ou o/a jovem
manifeste as suas reações direcionadas a alguns aspetos práticos da sua vida: “E
agora quem me leva todos os dias à escola?”, “Com quem vou viver?”.
É comum que as pessoas adultas reportem que, nos dias após a notícia da morte, a
criança ou o/a jovem manifeste uma alteração de comportamentos: tão rapidamente
está a sorrir ou até aparentemente alheada do luto familiar, como passa a
manifestar explosões de fúria, súbitas e fortes, e crises de choro
incontrolável.
No caso de experienciarem o luto por uma situação de homicídio as crianças ou
os/as jovens podem temer que a pessoa que matou o seu ente querido venha também
matá-las.
Portanto, a sua insegurança emocional pode manifestar-se em:
Tal como nas pessoas adultas, crianças
e jovens tendem a iniciar a fase da desorganização após o cumprimento das
exéquias.
Pode, no entanto, surgir algumas semanas depois, na medida em
que tiver demorado a Fase da Crise e dependendo da intensidade que esta
teve.
Na fase da desorganização, e mesmo que se saiba que a morte se
deveu a um homicídio e quem é o/a seu/sua potencial autor/a, a criança ou o/a
jovem pode experienciar a emergência de sentimentos de revolta ou de raiva.
Estes sentimentos podem ser direcionados a uma pessoa em específico,
contra todas as pessoas adultas em geral ou até “contra o mundo”.
Apesar de poder ser geradora de outros problemas, esta emergência de
sentimentos é uma resposta natural à perda e pode ser um sinal de impulso de
sobrevivência emocional.
Na fase da desorganização, a criança ou o/a jovem pode também experienciar
negação, recusa ou descrença relativamente à morte.
Com efeito, pode ser recorrente a menção à presença da pessoa falecida em
sonhos, o que pode ajudar a superar e a assimilar de forma normativa a morte
daquela pessoa.
O recurso à fantasia é, nalgumas crianças, a única forma de aliviar a dor da
perda.
Pensar na pessoa, desejar tê-la de volta, sonhar com isso, apesar de poder
ser visto pelas pessoas adultas como problemático, pode ser, na verdade, um
espaço reconfortante e apaziguador para crianças e jovens.
A interação com outras crianças ou jovens pode sofrer alterações na fase da
desorganização.
É possível que, neste período, as crianças e os/as jovens possam preferir
atividades mais solitárias.
A presença atenta e delicada de uma pessoa adulta poderá auxiliar no
ajustamento das brincadeiras com outras crianças, muito embora tal possa ser
complicado para as pessoas adultas que também estão a viver o seu próprio luto
e, simultaneamente, a dar resposta às necessidades básicas da criança ou do/a
jovem, restando-lhes pouca energia para brincar ou conversar com eles/as.
Na fase da desorganização, é possível que crianças e jovens possam
experienciar ansiedade e regressão nos comportamentos que já estavam adquiridos,
como por exemplo:
Em crianças mais novas, ainda se podem verificar comportamentos como:
Esta é a fase da aceitação, e pode ser
descrita como um conflito entre “deixar-se arrastar pelos dias”, numa tristeza
instalada e quotidiana, e “o desejo de manter-se firme e combativo”.
Esta tensão entre a memória de um passado conhecido e a perspetiva de um
futuro desconhecido é o eixo determinante para a resolução do processo de luto e
o encerramento do Ciclo.
A aceitação é o ponto fulcral de um processo de luto numa criança ou num/a
jovem; é nela que se ajusta com sucesso a realidade da perda.
A criança ou o/a jovem aceita que não vai esquecer o ente querido, mas
transformará os sentimentos em recordação, numa memória gratificante de alguém
que se amou, sem que isso signifique trair a memória daquela pessoa.
No entanto, poderão existir: