O Luto e Saúde Mental

O processo de luto pode ser realmente muito doloroso. Pode alterar, com grande incisão, a maioria das conceções e dos comportamentos de uma pessoa. Perturba-a forçosamente, desviando-a, de modo acentuado, de todos os seus padrões normais de funcionamento, aos níveis pessoal, familiar, social e profissional.

No entanto, o luto, em si, não é uma doença psíquica. Ou seja, não é sinónimo de depressão psicológica ou de outras manifestações patológicas do foro psíquico. Ainda assim, certos aspetos observáveis num processo de luto possibilitam a deteção de um Luto Patológico.

Luto Negado

Um deles é o Luto Negado durante muito tempo, com ausência de expressões de luto, logo na Fase da Crise.

A pessoa simplesmente não admite que a morte ocorreu. Age como se esta nunca tivesse sido, sequer, noticiada.

Não admitindo a morte como um acontecimento histórico, a pessoa não conseguirá desenvolver um processo de luto saudável, uma vez que se recusa a iniciá-lo.

A pessoa, com enorme dificuldade em aceitar a realidade da perda, procura negar o que é inegável.

Para isso desenvolve comportamentos que colocam a morte do ente amado à margem do decurso quotidiano (por exemplo, não integra no seu discurso a informação de que ele morreu, falando como se ele ainda estivesse vivo; não participa nas exéquias; não trata de assuntos legais relacionados com sucessões e partilhas; não faz qualquer alteração nos seus hábitos diários; mantém todos os pertences do falecido exatamente como se ele vivesse e fosse chegar a todo o momento para os usar).

Tudo continua a decorrer numa aparência de normalidade, o que chega a chocar familiares e/ou amigos, que julgam alguns destes comportamentos uma demonstração de frieza, de falta de afeto e de respeito para com a memória do ente que morreu. Esta dificuldade é mais expressiva em situações de morte inesperada, como a provocada por homicídio.

Luto Crónico

Segundo alguns autores, alguns casos de processos de luto são, de facto, irresolúveis, motivo pelo qual também por vezes se fale em “Luto Crónico”.

Mês após mês, ano após ano, o luto arrasta-se de fase para fase, sem que se possa aplicar-lhes, numa leitura linear, o Ciclo do Luto.
Alguns aspetos observáveis na pessoa em luto podem delinear um esboço da sua tendência para desenvolver um Luto Crónico: 

  • Um abrupto e intenso processo de luto começado apenas alguns meses depois da notícia da morte, sem que, até aí, não houvesse manifestações de luto, ou houvesse poucas;
  • Uma perturbação aguda, observável num período de três a seis semanas depois da receção da notícia da morte, com manifestações de choro e contínuo lamentar; profunda angústia; raiva persistente; culpabilização pronunciada; e autorrecriminação;
  • Quando não passou à Fase da Organização do Ciclo do Luto cerca de um ano após a morte do ente amado;
  • Tensão permanente, incapacidade de repousar e intensa saudade, mesmo depois das primeiras semanas após a receção da notícia;
  • O sentimento de que ninguém pode compreender a sua dor e/ou ajudá-la a sair do seu luto, mesmo após várias semanas após a receção da notícia.
A avaliação das circunstâncias particulares em que um processo de luto se transforma em doença parece constituir a solução mais adequada para determinar a atitude a ter, por familiares e/ou amigos, ou por profissionais, para apoiar devidamente a pessoa enlutada.

Luto e Depressão

É muito frequente, no entanto, que, em alguns processos de luto, se manifeste a Depressão. Esta pode comprometer o desenvolvimento saudável do processo, apresentando-se, com isto, o risco de se estabelecer um Luto Patológico.

Isto pode acontecer sobretudo com pessoas portadoras de determinadas predisposições para a depressão (como, por exemplo, a existência de um percurso pessoal de vida conturbado já antes da morte do ente amado; a hereditariedade; a doença bipolar, etc.) ou que já anteriormente tinham sofrido depressões.

Nos casos de luto causado pela morte de um ente amado num homicídio, a probabilidade de se desenvolver uma depressão é muito maior que noutros casos de perda por morte.

Uma depressão pode comprometer o desenvolvimento “normal” do processo, fazendo a pessoa enlutada estancar em determinadas fases do Ciclo de Luto, acabando por suscitar o Luto Patológico.

  • Uma morte inesperada, como a de um filho ou do cônjuge ou companheiro;
  • Uma morte que deu lugar a terríveis transformações circunstanciais;
  • Uma morte violenta;
  • Isolamento social;
  • Excessiva dependência em relação ao ente querido.
Estudos recentes têm referido taxas consideráveis de lutos patológicos verificados em familiares de vítimas de homicídio, após vários anos.

A Depressão caracteriza-se, sobretudo, por progressivas alterações na saúde mental. A pessoa pode sofrer:


  • Humor diminuído ou oscilante;
  • Falta de energia;
  • Melancolia;
  • baixa autoestima;
  • perturbações do sono;
  • certa incapacidade para efetuar as tarefas diárias, das mais simples às mais complexas;
  • isolamento social – a pessoa tende a sentir-se “desenquadrada” e “diferente” dos grupos;
A depressão pode estar acompanhada de sintomas de ansiedade: quer seja motivada por acontecimentos concretos, ou por sensações muito difusas, a ansiedade limita bastante o bem-estar.

As perturbações de pânico, que são manifestações extremas de ansiedade, caracterizam-se pelo desenvolvimento de ataques inesperados de pânico intenso quando a pessoa é colocada em determinadas situações particulares, ou devido ao medo de experimentar novos ataques (quando anteriormente sofridos).

Os ataques de pânico podem ocorrer quando enfrenta situações especialmente difíceis ou cruciais (por exemplo, no ato de reconhecimento do cadáver do ente amado; ou encontrar o principal suspeito por acaso; ir a tribunal testemunhar; ou prestar um depoimento no âmbito do processo de investigação criminal).

No entanto, podem também ocorrer em situações comuns, nas quais supunha nem ser possível sucederem, por serem, à partida, pouco suscetíveis de causar ansiedade.

Num ataque de pânico, a pessoa:

  • Não consegue controlar uma sensação de medo, emergente, rápido e violento;
  • Tem dificuldade em respirar, sentindo tensão e constrangimento nos músculos do tórax;
  • Sente dificuldade em ter um raciocínio lógico, bem como em ter noção do tempo e do espaço;
  • Tem dificuldade (ou mesmo experimentar impedimento), em expressar-se verbalmente, não conseguindo pronunciar as palavras, ou construir frases longas (até porque não está a usufruir de uma adequada respiração).;
  • Sente, durante o ataque que está entregue a uma espécie de manifestação física superior às suas forças, dada inexplicavelmente em contextos e momentos que, em alguns casos, já eram habituais e nos quais nunca tivera problemas de desempenho;
  • Após o ataque, mantém-se a vigência da ansiedade, sentindo-se os seus efeitos negativos no corpo (por exemplo, tendo dores de cabeça, cansaço e dores musculares) por vários dias, durante os quais se sente prostrada;
A Depressão pode ser também acompanhada por ideações suicidas, podendo o doente tentar várias vezes matar-se ou podendo mesmo consegui-lo. Em muitos casos, expressa tal intenção, ou “tentação”.

É importante que seja tomado a sério por quem o escuta. Esta confissão pode ser mais que um “aviso”: pode ser um implícito pedido de ajuda. Alguns suicidas, no entanto, morrem num dia e num contexto em que seria muito difícil alguém perceber que iam cometer suicídio.

Para uma pessoa deprimida, o suicídio pode ser perspetivado como a solução imediata para uma dor que já não suporta mais (ou para uma vida que já não deseja enfrentar sem o ente amado, em casos de deprimidos em luto).

As ideações suicidas podem surgir sobretudo no contexto de uma depressão relacionada com a perda de um ente amado que foi vítima de homicídio, ou de homicídio, podendo a pessoa em luto nunca antes ter pensado em suicidar-se.

Se vivencia ou conhece alguém que vivencia uma situação de luto patológico , é importante pedir ajuda.

Em caso de ideação suicida que esteja a ocorrer, deverá ser contactado o 112 – Número Nacional de Emergência Médica.